— PUTA. QUE. ME. PARIU. — Tom entendeu um total de zero palavras do que Helena havia falado (gritado) em português contra o bocal do celular.
Já passava das onze e meia da noite quando ele recebeu uma chamada de voz de Lena. Não era tão estranho assim que ela ligasse àquela hora - já havia lhe contado que era o horário em que geralmente saía para o intervalo em seu emprego - mas ela sempre se lembrava que, quando conversavam, ela tinha que falar em inglês. E geralmente ela não gritava tanto.
— Lena?
— Tom! Puta merda, Tom! Caralho, Tom! — agora ela falava em inglês. Muitos palavrões. E seu nome sendo repetido.
— Lena, o que tá acontecendo?
— Eu assisti! Caralho! Que filme foda! — filme? Que dia era mesmo? Cinco de Julho. Seu filme estreava apenas no dia sete.
Não no Brasil, a voz de Helena falou em sua cabeça. Aqui vai ser no dia seis. E eu vou na pré estreia.
Ah sim. Agora estava explicado.
Tom se mexeu na cama – ele já estava dormindo –, tentando se ajeitar melhor. No Brasil já deveria ser dia seis, provavelmente. Mas era hora de ir aos fatos. Helena havia assistido Homem-Aranha: Homecoming. E aparentemente ela havia gostado, o que era um ponto bastante positivo. Ele esperava que o excesso de palavrões se devessem ao fato de ela estar animada demais, afinal, palavrão era uma ótima maneira de enfatizar certas coisas.
— Então você gostou? — ele sorriu mole, o sono ainda um pouco presente, o que, aliás, Helena não parecia estar notando.
— Se eu gostei? Eu amei! — ela riu alto do outro lado. Era possível ouvir mais barulho ao fundo de pessoas conversando, o que levou Tom a acreditar que ela literalmente havia acabado de deixar a sessão. — Eu confesso que eu estava meio temerosa em relação às aparições do Tony, com medo de acabarem abusando e ofuscando o Peter, mas ficou muito bem dosado! E o vilão é incrível, real, palpável. E você, Tom! Vo-cê!
— O que tem eu?
— Você é o melhor Peter Parker do cinema. Juro. — apesar de sentir-se levemente sem graça, Tom não evitou o enorme sorriso, o ego bastante inflado. Helena não era apenas sua amiga, ela era uma fã. — Você foi tão... Perfeito. Bem dosado. E sua atuação... Ah, me fode, Tom.
— Claro, é só você vir pra cá. — Tom fechou os olhos, não acreditando que havia acabado de falar aquilo. Helena com certeza havia falado apenas como força de expressão. Ela não havia realmente pedido para que Tom...
A linha apenas não ficou em completo silêncio porque Tom ainda conseguia ouvir o barulho de fundo, várias vozes falando ao mesmo tempo coisas que ele não conseguia entender. Ele queria falar qualquer coisa, qualquer coisa mesmo, mas ele simplesmente não sabia o quê. O que fazer em uma situação dessas? Desligar o celular e fingir que a ligação havia caído era muito drástico?
— Eu... Era modo de falar. Eu estava brincando. — a voz dela pareceu falhada, como se ela estivesse com real dificuldade em pronunciar as palavras.
— Eu sei! Eu também! — ele forçou uma risada que soou alta e provavelmente desesperada demais. Seu conhecimento em teatro nunca lhe permitiria acreditar naquele riso. Ele esperava que ao menos Helena acreditasse. — Espera, você achou que fosse sério?
Você é um ator, Thomas Holland. Se recompanha!
— Quê? Não, claro que não! — ela também riu. Helena definitivamente não era uma atriz. Tom podia dizer com certeza que a risada dela havia sido tão forçada quanto a dele, se não mais. — Que isso. Não mesmo.
Mas o clima da conversa já havia sido completamente extinto. A próxima frase da garota foi uma desculpa qualquer para encerrar a chamada, sequer se despedindo. Tom bufou, sem conseguir acreditar no que havia acabado de acontecer. Não era possível que ele pudesse ser tão idiota. Que merda de resposta era aquela? E por quê? Tanta, tanta coisa poderia ter sido dita. Mas claro que ele optaria pelo que parecia mais desesperado.
Idiota.
Ele tirou os lençóis de cima das pernas, arrastando-se pelo colchão da cama até encontrar a beirada, finalmente deixando que os pés tocassem o piso de madeira e ele pudesse se levantar. Caminhou no escuro pelo quarto, segurando-se contra os móveis e torcendo para não derrubar nada até finalmente encontrar a porta, a abrindo e saindo do cômodo.
Ainda no escuro e se apoiando contra a parede, Tom caminhou pelo apartamento até encontrar o interruptor da sala e finalmente acendendo a luz, sentindo os olhos arderem por alguns segundos. Depois foi até o sofá, onde se jogou de qualquer jeito. Ele ainda não acreditava no quanto havia sido burro ao agir apenas por impulso. Era óbvio que ele havia assustado a amiga.
Tom pegou uma almofada e bateu contra a própria cabeça três vezes seguidas. Ele queria gritar, mas Harrison já estava dormindo e ele não queria acordar o amigo. Respirou fundo algumas vezes, perguntando-se se havia arruinado a amizade com a amiga de uma vez por todas. Não, Helena era uma garota bastante bem humorada, sempre fazendo piadas sobre tudo e o tempo todo. Ela iria entender que era uma brincadeira.
Mas existe diferença entre brincadeira e assédio, uma voz feminina soou em sua cabeça. Ele não havia assediado-a! Havia? Meu deus, ele havia. Helena iria odiá-lo pelo resto da vida e ele sequer poderia culpá-la. Por que ele não pensava antes de falar?!
Desesperado, Tom pegou o celular e abriu a conversa com Helena, digitando rapidamente a única coisa que ele poderia falar naquele momento.
"Lena, me desculpa pela brincadeira mais cedo. Eu não pensei direito, foi idiota, desculpa mesmo!"
Ele ficou apenas olhando para a tela por longos segundos. Os dois tracinhos já estavam azuis, provando que a menina havia visualizado, mas ela sequer aparecia digitando. Ele bloqueou a tela, fechando os olhos e pensando que já estava tudo perdido. Não tinha mais o que fazer sobre aquilo. Até o celular vibrar novamente, muitas vezes. Ele desbloqueou a tela, vendo que a notificação era de Helena, e que várias mensagens se seguiam.
🚫 Esta mensagem foi apagada
"Tom, relaxa! Eu sei que foi brincadeira"
"Eu só fui pega de surpresa"
🚫 Esta mensagem foi apagada
🚫 Esta mensagem foi apagada
"Caralho. Desculpa. Mas sério, tá tudo bem, preocupa não"
Três mensagens apagadas. Quem garantia que ela não tinha mandado falando sobre como ele era um completo babaca para então decidir que arrumar confusão não valia a pena? E, claro, ele estava absurdamente curioso para saber o que ela havia mandado.
"Certeza? Não pareceu... assédio?" e pronto, ali ele estava, colocando em palavras seu maior medo.
Gravando áudio...
Ele sempre sentia um leve calafrio quando alguém começava a gravar áudio, era como se coisa boa não viesse. Mas ali estava Helena, demorando três minutos para gravar a mensagem. Para então mandar um áudio de 17 segundos.
— Tom, relaxa! Eu sei que pareceu que eu fiquei brava, mas é que eu só fiquei surpresa mesmo. Não é todo dia que seu ídolo fala que... Né. — ela riu por alguns segundos. — Mas fica tranquilo, tá tudo bem, de verdade.
Ele riu, aliviado. Mandou dois emojis, um rindo e um coração, mostrando que acreditava que estava tudo bem e agradecendo pela compreensão. Quer dizer, era o que ele pretendia dizer, achava que ela entenderia. Bloqueou a tela, aliviado. A partir de agora ele teria muito cuidado com o que falaria para Helena.
Especialmente quando suas brincadeiras possuíam um enorme fundo de verdade.

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90 Por Cento [Tom Holland]
Fanfiction{CONCLUÍDA} Ela sempre precisava ficar lembrando a si mesma sua condição de fã. Ele sempre repetia a si mesmo que ela era só mais uma fã. A distância ajudava. Os sentimentos, não. ------------------------------------------------------------- IMPORTA...