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Fazia exatamente duas horas e quatorze minutos desde que Helena havia acordado. Mas ela decidira não sair da cama. Além de achar seu colchão e lençóis extremamente confortáveis, ela estava triste demais para levantar. Era algo que acontecia de vez em quando. 

No geral ela era uma garota animada, sorridente e que adorava fazer piada de tudo e com todos. Particularmente ela se considerava engraçada, obrigada. E ela gostava de ser engraçada. Sempre que fazia alguém rir ela sentia-se automaticamente mais feliz. 

Mas ela também ficava triste. 

E hoje ela estava triste. 

Segunda-feira era, por padrão, um dia triste para todas as pessoas. Não para Helena, claro. Era na segunda que ela folgava. Mesmo assim ela havia sido pega pelo sentimento DGIM – uma sigla que ela mesmo havia inventado, damn god it's Monday, em oposição à TGIF – e tudo o que ela mais queria era ficar na cama até terça, quando precisaria ir trabalhar. De novo. 

— Lena? Você não vai levantar? — duas batidas na porta e a voz de Flávio lhe lembrando que o mundo não parava só porque ela estava triste. 

— Não. — ela sentiu que havia soado como uma criança. Tudo bem, ela se autorizava a ser infantil. 

— O que tá acontecendo? — o rangido da dobradiça a fez pensar que precisava jogar um pouquinho de óleo. O peso de Flávio se deitando na cama ao seu lado a fez pensar que às vezes não queria ter um irmão mais velho. 

— Por que você tá em casa? — enquanto se ajeitava e apoiava a cabeça no braço que o irmão passava por baixo dela ela lembrou que na verdade amava ter irmão. 

— Hoje é meu primeiro dia de férias! E eu achei que eu fosse passar vendo filmes da Disney com a minha irmãzinha querida, mas ela está se escondendo embaixo do edredom. O que 'tá rolando, Helena Resende? 

— Eu 'tô triste. 

Flávio se mexeu, entrando embaixo do edredom junto com Helena, deixando que ela ainda usasse seu braço de travesseiro. Não duraria muito; em dez minutos seu braço dormiria e ele desistiria de ser fofo com a irmã. Ela já estava acostumada com isso. Os momentos que passavam juntos haviam se tornado raros após ela começar a trabalhar no bar. Helena apreciava aquele momento com Flávio, lhe lembrava a infância. 

— Por quê? — o braço de Flávio mexeu, sinal de que ele já estava começando a cansar da cabeça da irmã se apoiando nele. 

Ela não sabia exatamente por onde começar a explicar. 

A madrugada de sábado para domingo havia sido um inferno completo no bar. O local havia atingido sua capacidade máxima. Ela havia atendido tantas mesas com tantas pessoas que sequer lembrava do rosto de alguma delas. Muitas bebidas haviam sido derrubadas em seu uniforme. E as reclamações de pessoas que haviam pedido uma música no karaokê mas já se passou mais de duas horas e ainda não fomos chamados! Tudo o que ela mais queria era explodir. 

— Eu to cansada, sabe? — ela não ia chorar. Ela estava sim triste, mas não ia chorar. Sério. — Parece que eu evoluí nada! Eu tenho 25 anos, sou formada em marketing com especialização em marketing digital e redes sociais... E nunca consegui um trabalho na minha área de formação. Será que eu sou tão ruim assim? 

Ela sentiu os olhos e o nariz arderem. As bochechas não molharam. As lágrimas escorrem pelos cantos dos olhos, descendo até suas orelhas, entrando em seu ouvindo. Que sensação desagradável. Então ela estava chorando, e chorar deitada era uma merda. 

Mas ela não conseguiria não chorar, porque ela estava triste. Ela não conseguia deixar de ficar triste. A madrugada anterior havia sido péssima, mas toda madrugada de sábado para domingo era assim, e ela não havia acostumado. E mesmo que de domingo para segundo fosse tudo mais simples, ela ainda pensava em toda a raiva que havia passado no dia anterior, e mais uma madrugada era estragada. 

90 Por Cento [Tom Holland]Onde histórias criam vida. Descubra agora