Poemas e um misterioso passado

4.2K 455 171
                                    

Assim que saímos da escola, me despedi das meninas no portão e fui direto para o esgoto. Chegando na beira da estrada onde ficava o barranco que levava para a entrada da passagem, vi dois carros de polícia estacionados na rua, mas ninguém por perto deles, provavelmente já haviam entrado na floresta então tomei cuidado para não me verem. Entrei correndo para dentro da pasagem quando vi uma movimentação estranha no mato mais distante. Andando mais um pouco a frente, pude ver o chamativo e solitário balão vermelho na qual encostei para me levar até onde Pennywise estava. Assim que meus olhos viram o fim do caminho, corri ao encontro do meu amigo:

-" Pennywise! Pennywise! Nós precisamos conv..."- parei bruscamente quando vi o palhaço agachado de costas para mim, mexendo eu alguma coisa com muita raiva. Ele se virou quando ouviu minha voz e, ao redor de sua boca, estava tingido de vermelho como sangue. As brancas luvas que cobriam suas mãos também estavam sujas com a mesma cor, além de a frente de sua roupa e um cadáver mutilado estirado à sua frente-"... Ah, e-eu acho que você está ocupado, é melhor eu voltar depois..."

-" N-não, não vai embora, eu..."- se levantou limpando sua boca com a mão-"... Só um minuto"- vi ele arrastar o corpo do aparentemente garoto para trás da pilha de brinquedos. Eu fiquei paralisada, não era para eu estar alí mas eu só estava. Talvez ele precise de alguém que não fuja dele, mas alguém que o ensine o certo e o livre do errado.-" Desculpa a bagunça..."

-" T-tudo bem"- me aproximei de Pennywise reparando na sua roupa manchada de sangue-" Essas manchas não saem?"

-" Com o tempo saem sim, mas eu não ligo muito se está sujo ou não"- dá para perceber.

-" Então, eu preciso falar com você"

-" O que é?"- sua expressão mudou de envergonhado para preocupado.

-" Bem, eu estava no colégio hoje com as minhas amigas e eu ouvi elas falarem de quatro caras que caçam monstros e outras coisas do tipo... E eles supostamente vieram atrás de você"- ele parecia nervoso.-" Aqueles corpos que eu vi aquele dia era eles?"- ele não respondeu, apenas batucava o chão com os dedos indicadores-" Pennywise eu estou falando com você..."

-" Eram... Eles queriam me seqüestrar e me expor para esse mundo na qual eu quero me esconder"- ele cruzou os braço  como desapontamento por ter confessado algo que não queria.

-" Esse caras eram caçadores de monstros e entidades, eles até tiam  um nome 'Os corujas de Chernobyl' "- Pennywise riu com o nome.

-" Que nome idiota, pff... não tinha mais nada que eu pudesse fazer, se eles saissem vivos eles iam espalhar para todo mundo que existe um palhaço morando no esgoto da cidade"

-" Iam mesmo"- puxei meu celular do bolso e entrei no site dos falecidos.

-" O que é isso?"

-" O site deles, eles postavam todas as experiências sobrenaturais deles aqui e você seria a próxima"- o palhaço balançou a cabeça meio confuso-" não foi certo o que você fez, eram vidas"

-" Você não entende e nunca vai entender"- ele se levantou andando alguns passos para frente.

-" Se você me explicar eu vou. Esse seu jeito misterioso é muito legal mas... eu quero saber mais coisas de você, sabe que pode confiar em mim"

-" Não sei, durante toda essa minha longa vida eu aprendi a não confiar em ninguém, depender única e solenemente de mim"

-" Será que você não pode adicionar mais uma pessoa nessa listinha de quem confiar? Meus amigos dizem que sou ótima conselheira e vou estar sempre disposta a te ajudar quando precisar. Não é atoa que estou estudando para ser psicóloga! "- sorri mesmo com ele ainda de costas. Ele se virou com o olhar baixo e confuso, olhar esse que eu conheço muito bem, é aquele olhar de quem deve estar pensando mil coisas, escolhas para fazer e não saber por onde começar. Ele respirou fundo, soltando o ar em seguida:

-" Não tenho como me livrar de você, você me trás pipoca..."- me senti muito especial por isso-" N-não que eu seja interesseiro mas isso foi o mais perto de luxo que eu já tive em toda a minha vida. Eu não gosto de lembrar do meu passado. Sei lá, você apareceu de repente e..."- não apareci de repente nada! Tu que me puxou para cá, palhaço!-" não sentiu medo de mim e ainda me deu brinquedos, heh"- disse coçando a nuca.-" Brinquedos no qual eu ainda guardo"

-" Eu percebi só de olhar que você não era uma ameaça, e que era bem solitário e eu gosto de fazer companhia para quem se sente sozinho. Me sinto bem vindo aqui, sinto como se eu estivesse visitando um amigo, alguém que eu gosto muito"- ele deu um sorriso de canto de dois segundos mas seus olhos sorriam por sí só.

-" Você me lembra meus antigos companheiros, eles sempre ajudavam quando alguém precisava, eramos muito amigos sabe..."

-" Seus amigos do circo?"- questionei. Ele me olhou duvidoso.

-" Como sabe que eram do circo?"

-" Você é um palhaço, fica meio óbvio de adivinhar! Quem sabe um dia você me conta sobre esse circo"- ele recolheu os ombros com o um sorriso arteiro nos lábios.-" Ah, eu fiz um poema para você"- tirei o caderno da mochila, arranquei a folha e o entreguei.

-" P-para mim?"- disse surpreso.

-" É... Pode ler"- ele se ajeitou focando os olhos no papel.

-" Er... O medo tem... rosto e voz
E ele com certeza não está... hab... habi"- ele tinha dificuldade de ler.

-" Habitando..."

-"... habitando em você.
Sua face como um caminho de pétalas vermelhas na neve
Seus olhos como piscinas cristalinas congeladas
Misterioso com um relâmpago que cruza os céus num feixe de luz
Vivendo pelos cantos
Caçando histórias para contar
E experiências para colecionar
Meu doce, doce amigo palhaço..."- esperei ansiosa uma reação dele.

-" Então, o que achou? Não escrevo muito bem mas..."

-" Eu... eu adorei. Não sei o que dizer, não sabia que alguém me via com olhos tão bons! Eu me senti muito especial agora, obrigado Melissa"- ele finalmente deu um lindo e aberto sorriso! Ele tinha dentinhos afiados na frente e isso era um detalhe que eu admirava muito, era a coisa mais fofa. Ele não parava de olhar o papel, isso me deixou tão feliz, acho que vou escrever mais poemas para ele:

-" Que bom que gostou, eu não costumo escrever poemas mas esse é especial"

-" É a primeira vez que eu recebo algo tão lindo, não duvido nada que você é muito amada pelas pessoas que te conhece"- senti meu rosto queimar de vergonha.

-" Ah, q-que isso, não foi nada, heh"- Pennywise sabe ser fofo quando quer.-" Você está afim de dançar?"

-" Nar, hoje não, quem sabe a próxima vez que você vier, vou ensaiar melhor"

-" Okay, preciso ir agora, mamãe vai me matar se eu me atrasar para o almoço"- peguei minha mochila e me levantei tirando a poeira da minha calça.-" Ah, e tome cuidado, okay? Tem policiais rodando pela floresta proucurando os Corujas de Chernobyl. Não saia para fora, pode ser perigoso"- o abracei bem forte, entreguei o saquinho de pipocas na qual quase me esqueci e me despedi. Assim que me virei, senti Pennywise segurar a minha mão, ele se ajoelhou a minha frente e a beijou. Meu coração bateu mais forte e meu rosto queimou de vergonha novamente:

-" Adeus, não demore para vir de novo"- tão cavalheiro, ai ai.

-" Certo, não demoro, prometo"- enrolei uma mecha de seu cabelo ruivo no meu dedo indicador e saindo em seguida. Tomei o maior cuidado na hora de ir embora, os piliciais poderiam estar perto da passagem e eu não gostaria de ser abordada por eles. Peguei um atalho na estrada para chegar mais rápido em casa, não quero que mamãe se preocupe mais, depois do dias que eu fiquei desaparecida, ela se preocupa duas vezes mais comigo agora.

Clown sweet clownOnde histórias criam vida. Descubra agora