Segredo

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Capítulo 3

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"A alma não tem segredo que o comportamento não revele."

(Lao-Tsé)

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A atenção de Trevor estava fixa sobre a paisagem de Tóquio. Aquele apartamento com um par pequeno de quartos era um pouco apertado para viver com Kayla, mas o aluguel fora o que puderam pagar quando juntaram suas economias mensais.

Apesar dos prédios altos que o impediam de ver o horizonte, não podia negar que a localização central era uma das melhores. A beleza do cenário poente, no entanto, não o acalmou como pensava. Inclinou-se na janela e suspirou com irritação ao soltar a fumaça do cigarro por entre os lábios. Mais um dia chegava ao fim sem que Kayla saísse daquele maldito quarto.

Sons de passos o atraíram, mas, ao ver a figura esguia de Irina com a bandeja intocada em mãos, apenas conseguiu franzir o cenho e socar o parapeito da janela.

— Inferno! — grunhiu, tragando longamente o cigarro na tentativa de reduzir a preocupação.

Kayla ficaria doente, e isso seria muito pior do que simplesmente não conhecer a história e as músicas daquela estúpida banda. Além de passar horas acordada, trancada solitária na companhia de CDs, DVDs, revistas, folderes e fones de ouvido, negava-se a "perder tempo" alimentando-se ou até mesmo fazendo sua higiene.

Ainda lembrava-se de tê-la visto naquela manhã, correndo do banheiro até o quarto com o pijama amassado e os fios vermelhos totalmente despenteados. Aquela imagem não o agradou nem um pouco.

— Vou acabar com isso! — Decidiu Trevor, aproximando-se do corredor que levava aos quartos. Irina, a vizinha mais próxima de uma amiga para Kayla, segurou sua camiseta e o interrompeu.

— Não desperdice a dedicação dela! — As palavras soaram autoritárias, e Trevor virou-se apenas para encarar sua expressão resoluta.

As sobrancelhas artificialmente pintadas se perdiam nos fios repicados de sua franja descolorida e, apesar da delicadeza de seu rosto, Trevor sabia que paciência definitivamente não definia a mulher à sua frente.

— E o que propõe fazer? — questionou num sibilo ferino, desejoso por despejar sobre alguém sua frustração. — Ignorar que ela não come? Não dorme? Não toma banho? — As perguntas fluíram em uma torrente acusadora, mas Irina apenas o soltou e elevou as mãos em um gesto pacífico.

— Você, mais do que ninguém, devia saber do que ela é capaz. — Foi a única resposta que recebera em tom incisivo.

Irina era ágil em manipular a situação a seu favor, notou irritado. Ela nunca o perdoaria por conhecer parcialmente o segredo de Kayla e recusar-se a partilhá-lo. Lamentava o fato de que Kayla fosse tão esquiva a confiar nas pessoas, mas o pouco que revelou de sua história fora suficiente para compreender por que não conseguia simplesmente aceitar Irina como sua confidente e amiga. A ruiva era incapaz de sustentar um relacionamento que lhe exigisse expor suas cicatrizes.

E ela definitivamente possuía muitas.

Se Kayla realmente permitisse que Irina a conhecesse, estaria se colocando em uma posição vulnerável. Estaria deixando que alguém mais, além dele, soubesse como feri-la. E para alguém tão dolorosamente marcada como ela, aceitar a proximidade de outra pessoa não ocorreria tão cedo. Mesmo que Irina fosse paciente e a procurasse com frequência para saírem juntas, tentando alcançar os segredos que os olhos verdes tanto escondiam, o máximo que obtinha era a adorável companhia de Kayla e nada mais.

A Garota DelesOnde histórias criam vida. Descubra agora