Prologue

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Nikki sentiu a água cair sobre o seu corpo, levando seus cabelos para baixo. Olhou para os próprios pés, os calos em ambos os dedões não escondiam o que vinha fazendo de mais importante de sua vida desde que pode se lembrar.

Ironicamente, a primeira lembrança que tem de si mesma, ela já usava o collant preto e as meias rosas de bailarina. De forma deprimente, a primeira lembrança que tinha de si mesma, era a última lembrança com o seu irmão mais velho.

Odiava crises existenciais.

Odiava ter que viver crises existenciais.

Mas simplesmente não podia evitar. Haviam muitas feridas abertas em seu peito, algumas já estavam lá há anos, e algumas surgiam a cada novo dia. As de hoje ainda estavam acumuladas com as de sempre e ela sentia que não conseguiria aguentar. As lágrimas há muito já haviam se misturado a água morna que saía do chuveiro. Já havia se decidido, só lamentava não poder mudar o inevitável, ter chegado a esse ponto. A dor lhe sufocava o peito de maneira que ela só podia acabar com aquele sofrimento de um jeito.

Queria gritar, mas se conteve. Assim que já não ouvia outras vozes no banheiro do vestiário, ela fechou o registro, encostando a testa na parede gelada, se forçando a parar de chorar. Se secou e vestiu seu jeans azul de sempre e a sua camiseta favorita, aquela com um desenho de uma galáxia. Olhou seu reflexo no espelho e penteou os cabelos úmidos, decidida a deixá-los secar livremente, dado o tempo quente de hoje. Não que fizesse diferença para o inevitável, de fato. Passou maquiagem, pois queria estar bonita no fim.

Quando guardou a maquiagem, observou a lâmina da navalha guardada na sua bolsinha. Passou a ponta do dedo sobre a lâmina e sentiu um pequeno filete de sangue se formar no corte fino. Observou o pequeno rastro de sangue se unir em uma pequena gota. Virou o dedo de modo que a deixasse escorrer até a pia.

Saiu do estúdio, sendo bem recebida pelo vento morno. Colocou os fones de ouvido e ligou a música em seu celular. Já era noite mas não pretendia voltar para casa, nem hoje, nem nunca. Andou sem rumo, tentando não pensar no que estaria acontecendo durante a madrugada. Não queria pensar em nada que a pudesse fazer mudar de ideia. Não queria mudar de ideia. Por mais que, a aquela altura da vida, o fato de pensar si a fazia reiterar a ideia de que queria acabar com tudo.

Nikki andou sem rumo até se dar conta de que já estava bem perto do píer de Santa Monica. Por isso decidiu ir até lá. Gostava muito da Venice Beach, que durante o dia fervilhava de pessoas de todos os tipos, com todos os propósitos. E durante a noite era quase totalmente deserta. Ainda havia alguns grupos de pessoas que faziam luau e esse tipo de coisa, mas ainda assim era bem menos gente do que durante o dia.

Assim que pisou na primeira faixa de areia, tirou os tênis, permitindo que seus pés sentissem a textura da areia e seus dedos afundassem naquela fofura. Desviou de um grupo que fazia um luau ao redor de uma fogueira com direito a violão e tudo. Sentia um pouco de inveja. Queria ter amigos de verdade. Com quem pudesse se divertir e com quem pudesse desabafar. Mas não tinha.
Foi para um lado mais afastado e totalmente vazio. Deixou sua bolsa no chão e fez uma coisa que gostaria fazer por último. Dançar, do jeito que fazia quando era criança, apenas para se divertir. Dançar por dançar, como já não fazia há anos.

Colocou ambos os fones e sintonizou na música que sempre ouvia para relaxar, Swan Lake do Tchaikovsky. Foi a primeira música clássica que ouviu, e era no filme da Barbie. Foi de onde ela descobriu sua paixão pelo balé clássico, ainda criança.

Colocou a música no volume máximo. Seus pés se afundaram na areia e às vezes, quando ficava na ponta dos pés, a areia machucava seus dedos, mas aquilo era irrelevante. Ela queria dançar antes de morrer, se sentir livre enquanto repetia a coreografia que foi a primeira que aprendeu no balé, aos nove anos. Como no filme. Seus cabelos rebeldes eram levados pelo vento e pelos movimentos que fazia, para cima, para os lados, rodopiando. Perto do final da música, Nikki sentiu as lágrimas salgadas lhe beijando a pele, mornas e bem vindas.

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