Livro de Harry

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Bang Bang
De novo e de novo

Bang bang
De novo e mais uma vez

Bang bang
É tudo que eu consigo ouvir
Pétalas de flores
Violetas e azuis

Em volta de seus pés
Pétalas de Rosa
Violentas e azuis
Murcham ao seus pés

Existe uma pequena árvore verde fora desse prédio e está coberta de sangue, pois a chuva se tornou vermelha e o vento bate forte. Você é branca como um pêssego e não pode se manchar. Três janelas. Quatro quartos. Todos te esperam na sala de jantar.

Encontrei seu velho amo, ele veio saber de você. Disse a ele que você é gentil e sincera, a pétala mais macia que eu iria conhecer. Não sei quanto tempo se passou desde que soltei sua mão - só sei que não importa quanto tempo irá se passar, jamais deixarei você se machucar.

Mas você abriu um buraco no meu coração. O seu é frio, porém doce: pensei que seria o suficiente para acalentar nossa paixão. Onde você arranjou esse objeto? Ele não foi feito para suas mãos. Queria eu ter voltado atrás e ter sido mais verdadeiro; agora meu rosto se deita no sangue de minhas veias.

Olhe a que ponto chegamos. Olhe em volta, decore essa sala. Esfregue o carpete, pinte-o de vermelho. Pinte a parede, limpe com zelo. Lave as mão, enxague o dia inteiro. Você não pode aparecer assim. Você é Rosa, não vermelho.

Repita o som mais uma vez.

Estalo.

Bang bang

Bang bang

Bang bang

Meu amor apontou a arma para mim
Meu amor atirou no meu coração
Meu amor trouxe o meu fim
E eu morri de paixão

AAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAA

BU!

Você já viu alguma coisa estranha?

Essa sala infestada de mofo é verde, é negra, é um bosque escuro, é uma selva de relva. Sem lugar para sentar, não vou colocar nenhum milímetro do meu corpo nessas paredes imundas. Credo. Limo. "Argh". Quero vomitar! Estou tonto e a sala toda está girando. Deslizo de um lado para o outro e tento me equilibrar somente sobre meus pés... minhas mãos não vão tocar em nada. Não posso tocar nessas paredes lamacentas, não posso nem respirar. Estou preso em um buraco quadrado escuro sem a mínima expectativa de vida. Olho de um lado para outro. Quero gritar.

Nhec nhec nhec

Que barulho é esse?

Nhec nhec nhec

Ih, de novo! Parece um rangido. Nhec para cá, outro nhec para cá, já sei onde está!

Escondido em uma das paredes está um furo pequeno e escuro. Não vou me encostar nele, vou apenas chegar o mais próximo possível para poder enxergar alguma coisa no outro lado. Fecho o olho esquerdo e espio com o direito. Prendo a respiração para não sentir o cheiro pútrido que exala da parede, mas é tão forte que ainda sinto algum resquício. Estou respirando pela boca, babando enquanto vejo do outro lado uma poltrona reclinável com alguém deitado nela. As pernas estão viradas para mim e um pano branco cobre parte do seu corpo. Um outro alguém vestido de jaleco tão encardido que já é completamente amarelo cruza a sala e puxa uma mesinha em rodas para próximo da cadeira.

Credo, que cheiro ruim!

Afasto-me da parede para poder respirar um pouco. Que nojo! Começo a suar e meus olhos lagrimam um pouco, mas logo me ponho a espiar novamente quando escuto um gemido desagradável. Do outro lado, o rapaz de jaleco está com a mão esquerda firme segurando a outra pessoa pelo peito, pressionando contra a poltrona. Ele liga uma máquina com a mão direita que começa a fazer um barulho de broca e sorri sarcasticamente enquanto aproxima a ponta da broca do rosto da pessoa.

Ah há há há há há HÁ!

AFASTO-ME DA PAREDE EM SOBRESSALTO E OLHO PARA TRÁS. Que susto! Ouvi uma risada gélida e aguda vindo de trás de mim. Meu coração está batendo muito forte, eu quase consigo ouvi-lo. O cheiro está pior ainda. Que horror. Credo. Acho que fiz uma careta.

Aproximo-me da parede para continuar espiando e aí percebo que o barulho da broca cessou, mas não foi só o som que desapareceu; não há mais nada do outro lado. A sala está mais escura e uma lâmpada acesa balança de um lado para outro, tornando possível de ver somente uma parte ou outra do quarto. O que está acontecendo? Arrisco chegar mais perto, mesmo correndo o risco de sujar meu rosto. O cheiro está forte de mais - parece cheiro de defunto.

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Grito!

A figura deformada de um rosto pálido surge na frente do buraco, me encara com olhos negros saltados para fora e mostra seus dentes finos em um sorriso que rasga metade do rosto.

Jogo-me para atrás e não me importo se irei me sujar mais. Ponho a mão no rosto tentando esquecer o que acabei de ver e grito.

Só quero sair daqui.

É apenas um sonho.

É apenas um pesadelo.

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MIXOLOGIA SENSORIAL traz a história de Mick, um rapaz que cai no limbo quando é assassinado pela própria mulher. Em sua trajetória, ele descobre que sua alma se dividiu em três partes: aquela que está no limbo, revivendo todos os seus medos, angústias, ascos e arrependimentos; aquela que está presa na terra, tentando entender a razão de seu assassinato; e aquela que é inocente e vívida, retratada pelo seu eu criança.

Em cada ato, Mick se depara com algum aspecto diferente de sua vida e a maneira como ele o conduz será seu próprio juiz na passagem para a eternidade ou no retorno ao mundo dos vivos. Paraíso, trevas ou mortalidade, a decisão é completamente dele.

Mas essa decisão não pode ser decidida com palavras, apenas com atitudes.

Letters to Lou (Larry Stylinson)Onde histórias criam vida. Descubra agora