Os meses de inverno passaram tão lentamente quanto tartarugas aleijadas. Na verdade acho que uma tartaruga sem duas pernas andaria mais rápido. O Fríada Ethelu se fez presente durante todas as horas de maneira irredutível como todos os anos, impedindo qualquer passagem.
Infelizmente, não posso calcular nem redimir todas as vidas ceifadas durante esses meses em que aqui estive presa. As notícias não são boas. Lá fora, o caos apenas aumenta, as bruxas avançaram cada vez mais, e isso resultou em um imenso território dominado.
É frustrante saber que enquanto estou aqui, o mundo está acabando diante de meu nariz, e que estou de mãos e pés atados.
Bem, estava.
Afinal como disse, os meses "passaram". Sim meus amigos, finalmente, a primavera chegou até nós. E antes que ela chegasse, já falei para que preparassem tudo pra chegada da estação que seria também data da nossa partida.
Me encontro agora em meu quarto acabando de me vestir. Estou tão retalhada, diversas cicatrizes pequeninas aqui e ali. Não que sejam realmente diversas, mas pra quem tinha apenas algumas vindas de brincadeiras de infância, ver todas as novas é algo diferente.
Alisei a enorme cicatriz em minha barriga, seguindo para a das costas que no caso é do mesmo golpe. A que estava diretamente em cima do local de meu coração sumiu e não faço ideia do motivo uma vez que não notei quando ela desapareceu. Duas quase mortes em menos de meio ano. Parece que se passaram séculos desde o dia da Grande Feira em Wallya.
Wallya. Não parei pra pensar nisso ainda...mas só sei que lá não ponho mais os pés. Mesmo que minha família se juntasse e fizesse um feitiço pra apagar a memória de todos, se é que isso é possível, eu jamais voltaria pra aquele lugar.
Na verdade não quero contato humano algum. Quanto mais longe deles melhor. Se bem que tenho certeza que minha mãe insistirá pra que volte a Illydia.
Mas isso é na suposição de que eu sobreviva. Enfim, termino de por minha roupa habitual, apenas o modelo já que as originais foram estraçalhadas e eu consegui uma moral com os elfos pra arranjar uma roupa nova. E não só isso como uma magia que proteje minha roupa toda que em sua maioria é feita couro, dando a ela uma resistência como se fosse uma armadura, sem alterar a maleabilidade.
Meu cabelo como sempre em uma trança embutida bem firme, botas, e uma capa cheia de bolsinhos escondidos.
Levo comigo meu arco longo, minhas adagas, facas de caça e de atirar, e uma aljava com flechas, devidamente identificadas como comuns ou abençoadas pra evitar deslizes fatais como antes.
Me olho no espelho uma última vez. A situação agora séria, trouxe de volta a sobriedade que carreguei durante todo esse tempo e ao meu ver tinha se esvaído.
Caminho por entre os corredores, rumo ao patio do palácio. Tudo vazio devido ao comparecimento de toda a população na saída dos batalhões. Saí do palácio e me juntei a meu grupo um pouco abaixo de onde Yedryn fazia seu discurso.
A primavera é sempre sinônimo de renovação, com ela vem inevitável a esperança de uma vida nova depois do rigoroso inverno, a esperança de que tudo ficará bem, o sentimento de vitória por ter resistido as intempéries da natureza.
Essa situação não poderia ser mais irônica.
Justo no início da estação rumarmos para a morte certa. Não estou sendo pessimista, mas em uma guerra sempre há baixas para os dois lados.
Enquanto as flores desabrocham com o nascer do sol, e as borboletas saem dos casulos e batem suas asas felizes, filhos se despedem dos pais, irmãs dos irmãos, mães de filhos e filhos de pais. Alguns deixando apenas a promessa jamais cumprida de retorno.
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Rainha Negra: A Guerra
FantasiCapa por @AmericaConnorAC OBRIGADA FADA! Uma guerra esta para eclodir. Samhara , uma jovem de dezesseis anos, tem sua vida virada de cabeça pra baixo após ter de fugir de sua própria vila para não ser queimada viva em uma fogueira. Sim, ela é uma fe...