Os ventos eram cortados pelas ruas da pacata Primavera. Aquela cidadezinha mineira, mas de costumes cariocas. Por estar na fronteira entre os dois estados, assimilava elementos de ambas às culturas. Uma coisa era certa, os habitantes não eram tão acostumados com aquela velocidade. Tanto, que mal podiam perceber ali a presença do jovem rapaz, além do mais, seria impossível para os olhos humanos.
Arthur caminhou lentamente, enquanto observava o trânsito parado no sinal verde de uma avenida lotada de carros. Para ele, estavam todos congelados.
Andando mais alguns metros, percebeu uma menina olhando para o alto de uma árvore, como se clamasse por seu gato, de braços estendidos para a volta do animal. O imperceptível rapaz escalou o tronco e segurou o felino. Desceu e levou-o ao colo da dona.
Ele admirou o seu feito, um simples e solidário feito. Parou olhando em volta de si mesmo, percebeu a ultrapassagem errada de um motoboy. Certamente haveria uma colisão com o caminhão mais à frente, mas, como se fosse alguém da família, Arthur atrasou por centímetros a motocicleta do infrator, evitando a colisão.
A todo instante ele estava em muitos lugares, fazendo muitas coisas, sua velocidade era uma benção.
Não, talvez não.
Mais à frente, uma discussão entre dois homens. Um deles apontou uma pistola para o outro, que tinha suas mãos erguidas ao alto. O rápido rapaz observou-os, viu a faísca brotando lentamente do cano da arma e o projétil seguindo em direção ao alvo.
Ele segurou a bala, admirando-a, soltou-a no ar fazendo-a refletir os raios solares. Observando o atirador, pensou no quão fútil foi a discussão de ambos, ao ponto de chegar perto de uma vida ser tirada. Puxou a arma das mãos do homem e saiu como um trem bala, a ventania fez com que os brigões se olhassem sem entenderem realmente o que aconteceu.
Olhou em volta de si por mais uma vez e viu as pessoas estáticas. Como alguém poderia perceber os seus feitos? Arthur vivia num mundo de um cara só, onde apenas ele poderia decidir e contemplar o que fazer. Por mais bons que fossem, só ele enxergaria os seus atos.
Correu a todo gás e, paralelamente ao velocista, a força elétrica produzida do atrito de seus pés ao chão formava faíscas azuis, que o acompanhavam até ele parar. O ponto era a entrada do túnel da estação subterrânea de metrô superfaturada e abandonada de Primavera. Uma placa de "trecho em obras", envolvida pelas ervas daninhas, bloqueava a passagem.
Ele fechou seus olhos, inspirou profundamente e relaxou.
À medida que o ar saía de seus pulmões, as faíscas de eletricidade sumiam aos poucos, tudo ficava mais lento e era tão aborrecedor para ele, tão árduo e dificultoso até mesmo contemplar os raios de solares em seu rosto, que um rosnado de ódio bradou de sua garganta.
Com a arma em punho, ele olhou aos céus e contemplou a estrela maior do sistema solar. Ofegante, apontou a pistola ao Sol e disparou, disparou, disparou, até o pente de munição se esgotar. Inútil.
Se esgueirando pelas brechas da passagem, ele adentra nas escuras do túnel e caminha, para nós, uma caminhada normal de alguns metros e para ele, uma eternidade. Ao chegar na primeira das plataformas de embarque, os velhos alto-falantes soam alto.
- Qual é senha? - indagaram os alto-falantes, numa voz masculina e jovial.
Arthur tirou seu capacete azul, muito semelhante ao de um gladiador romano. A viseira transparente e dourada protegia seus olhos dos atritos causados pelas altas velocidades enquanto corria.
- E tem uma, porra?! - esbravejou, pondo o capacete na cintura.
O som de microfonia ecoou pelo ambiente pouco arejado, iluminado por fracas lâmpadas de led da estação.
VOCÊ ESTÁ LENDO
WSU's Raiju
AdventurePara todo velocista o tempo deveria ser relativo, exceto para Arthur. Seu tumor cerebral faz com que cada uso de sua supervelocidade seja infinitamente doloroso e, somando isto ao fato de estar cercado de pessoas lentas demais para ele, há apenas o...