CAPÍTULO 20-ARMANDO REENCONTRA RICARDO

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_Esperem!_disse Armando se apoiando num móvel próximo à porta do porão.

Era visível que ele estava em pânico ao olhar para a porta que deveria atravessar em menos de um minuto.

_Nossa, cara! Você está tremendo! Relaxe! Juro que não deixarei ele encostar um dedo em você, pode confiar!_disse César tocando o ombro do enfermeiro.

_Sou uma bicha, César e não um homem macho feito você, acredite. Estou aqui quase fazendo xixi nas calças de medo, amigo. As lembranças ainda são muito fortes...mas me dê um tempo, senhor Rodrigo...eu vou entrar...é só mais um minutinho..._Armando tentava fazer a respiração voltar ao normal.

Por um momento, ao vê-lo daquele jeito, Rodrigo pensou:" Mas o que eu estou fazendo? Que tipo de monstro eu me tornei? Ele não merece isso! Tem que haver outro jeito!"

Rodrigo chegou a abrir a boca para por fim àquele sofrimento do rapaz, mas a imagem do irmão sozinho lá embaixo, torturado pelo remorso, fez com que ele se controlasse. Ele só queria que Armando perdoasse Ricardo, para que o irmão acalmasse o seu coração.

_Nestor, busque um copo de água com açúcar para o senhor Armando._disse Rodrigo sério.

_Não, Nestor. Passei na cozinha agora a pouco e tia Eustáquia me deu um copo enorme de chá de erva cidreira. Se eu tomar mais alguma coisa, acredite, aí sim vou molhar as calças._disse Armando com a voz ainda insegura.

Esperaram em silêncio por mais alguns minutos, até que Armando fez sinal de que estava pronto.

Rodrigo abriu a porta. De um lado estava Nestor, do outro Rodrigo e logo atrás, com cara de poucos amigos e braços cruzados para impor respeito, César.

Ricardo estava sentado numa cadeira no meio da sala principal. Tomara banho e penteara os cabelos. Usava um pijama amarelo e tinha as mãos sobre o colo, à vista de todos. Os olhos estavam extremamente tristes.

_Como se sente hoje, meu irmão?_perguntou Rodrigo depois de um momento de silêncio.

_Eu estou bem._Ricardo tentava falar o mais mansamente possível._Vocês devem ser César e Nestor. Não os vejo há tanto tempo!

O silêncio tomou conta do ambiente, mais uma vez.

_Eu os trouxe, porque..._começou Rodrigo.

_Não...não precisa explicar. Eu entendo._disse Ricardo com a voz extremamente triste.

Ricardo não conseguira ainda olhar para o rosto de Armando, entre aqueles homens que estariam prontos para protegê-lo se a fera acordasse em seu peito.

_Você disse que gostaria de falar com o Armando, Ricardo. _disse Rodrigo finalmente.

Só naquele momento, Ricardo conseguiu olhar para a face do enfermeiro, ainda pálido e trazendo marcas do ataque sofrido.

_Você...está melhor, Armando?_perguntou inseguro.

_Eu estou melhor, obrigado.

_Eu confesso que não me lembro de tudo o que aconteceu no nosso último encontro. Me lembro de coisas horríveis que te falei...te humilhando.

Novamente, o silêncio.

_Sei que me descontrolei...tive outra crise. Rodrigo disse que eu...te machuquei e que a extensão dos ferimentos foi grande._Ricardo engoliu ruidosamente.

_Muito...muito grande._sussurrou Armando simplesmente.

Ricardo tampou o rosto com ambas as mãos e começou a chorar convulsivamente.

Por longos minutos, o que se ouvia eram apenas os soluços daquele homem visivelmente arrependido.

_Me perdoe, Armando...me perdoe...eu juro...não queria te magoar...te agredir...te ferir...eu...não sei o que deu em mim...me descontrolei...me perdoe...me perdoe, por favor.

Ricardo se jogou ajoelhado no chão, aos pés de Armando, aumentando o choro que lhe sacudia todo o corpo.

O coração de Rodrigo estava aflito temendo que o enfermeiro desistisse do acordo e não aceitasse o pedido de perdão do seu irmão.

_Eu lhe imploro, Armando...me perdoe...me perdoe..._Ricardo continuava ajoelhado e com a cabeça tocando o chão, em posição de extrema humildade reconhecendo os seus erros.

Nestor e César olharam aquela cena realmente deprimente do patrão, tão famoso por sua arrogância, se humilhando daquele jeito na frente dos empregados.

Armando pareceu ouvir os pensamentos dos dois amigos e também admitiu para si mesmo que sentia pena daquele homem enorme, poderoso até alguns dias atrás, que agora se diminuía daquele jeito.

O enfermeiro avaliou a situação, enquanto os outros aguardavam que ele decidisse o que fazer. Pensou que seria fácil sair dali, sem dizer nada...talvez exigisse um novo acordo com Rodrigo...talvez pudesse arriscar a deixá-lo fazer a denúncia que ele ameaçara...

Mas, no momento seguinte, Armando teve que considerar a possibilidade de deixar a mãe justamente onde estava, na companhia de Judite e Elaine...a possibilidade de ficar ali, atendendo apenas um homem e não todos aqueles homens na pensão do Gordo...a possibilidade de se arriscar ali, com todas aquelas câmeras...auxiliado por César e Nestor...tendo a palavra do patrão como garantia...

Novamente, as lembranças do ataque fizeram o prostituto ter medo daquelas mãos enormes que agora estavam agarradas aos seus tornozelos, quase o levando a perder o equilíbrio e Armando, instintivamente, deu um passo atrás, sendo apoiado por César.

Sentindo o movimento de repulsa, Ricardo logo se afastou, ainda ajoelhado, de mãos postas e ainda chorando, implorou:

_O médico veio...conte a ele, Rodrigo, que o médico veio.

Armando viu Rodrigo assentir.

_Eles aumentaram as doses dos meus remédios, Armando. Eles disseram que isso deverá afastar qualquer risco de uma nova crise. Olhe, você poderá vir sempre acompanhado de alguém...talvez César ou Nestor, ou mesmo o Rodrigo...sei que não fica constrangido por ser observado e então isso não será um problema. Seus amigos poderão vir sempre que você quiser e eu não preciso, necessariamente, te tocar até que você esteja seguro...

Ricardo, como prova do que dizia, se afastou e voltou a sentar-se na cadeira, com as mãos novamente à vista, apoiadas sobre o colo.

_Eu só preciso de companhia aqui embaixo, Armando, por favor...não vá embora e me deixe aqui sozinho...só quero um amigo. Alguém com quem conversar.

Novamente, o homem começou a chorar baixando a cabeça e tocando o peito com o queixo.

_Me dê uma nova chance, Armando...pelo amor de Deus...me perdoe...me perdoe...

Armando engoliu ruidosamente se lembrando da filmagem nas mãos de Rodrigo...das câmeras de segurança...avaliou todos os prós e contras ainda mais uma vez.

_Eu...o perdoo, Ricardo._sussurrou o enfermeiro, finalmente.

Ricardo sorriu, enxugando as lágrimas, parecendo uma criança, Armando teve que admitir. Não havia como não se comover.

O enfermeiro sentiu pena daquele homem dominado por um tumor e preso para sempre ali debaixo da terra.

_Eu voltarei amanhã...eu prometo._disse Armando se preparando para sair.

Aquela era a deixa de Rodrigo.

_Pronto, Ricardo. Já está ficando tarde e Armando e também você já estão cansados e precisam descansar.

Rodrigo aproximou-se do irmão e o abraçou, enquanto Ricardo apenas assentia silenciosamente.

_Tudo bem...você está certo. Amanhã, então. Jogaremos cartas, lhe ensinarei a jogar xadrez, se quiser. Poderemos ver filmes, ler um pouco...eu poderei pensar em muitas coisas pra gente fazer, está bem? Eu vou te esperar então. Boa noite, Armando.

_Boa noite._disse Armando se virando e saindo seguido pelos três homens.

GÊMEOS: ENTRE A LUZ E A ESCURIDÃO/ versão light-não contém cenas de violênciaOnde histórias criam vida. Descubra agora