Atelofobia

268 94 459
                                    

Parado em frente à porta de casa, ele suspirou. Estava ali há três minutos sem coragem de entrar. Com as chaves na mão, tentou espiar através do vidro, mas as luzes estavam apagadas. Provavelmente ela estava dormindo.

Não; com certeza estava dormindo, já que eram 4h da manhã e ela tinha um paciente agendado para as 8h. A consciência pesada dela era negligenciada se a palavra "paciente" estivesse envolvida.

O rapaz não podia adiar para sempre, então, destrancou a porta e entrou, tentando ser a personificação do silêncio.

Ele não costumava sair durante as brigas, porém, julgou que, daquela vez, havia sido necessário. Aliás, provavelmente teria mudado de ideia se os gritos para que fosse embora não tivessem sido tão persistentes. De qualquer forma, se arrependeu no momento em que deixou a casa. Não conseguia tirar da mente a cena de sua companheira encolhida no sofá, com as lágrimas marcando o rosto e os lábios franzidos de ódio.

É claro que não queria machucá-la, e nem ela o faria de propósito, mas às vezes era inevitável.

Bem, estava ali agora, pelo menos.

O rapaz largou a chave e começou a desabotoar a camisa, decidindo dormir na sala para não a incomodar. Foi quando percebeu o corpo da própria já estendido no sofá vermelho. A moça respirava com suavidade, ainda usando o mesmo vestido florido e longo. Nem parecia que algumas horas atrás havia explodido.

Ele suspirou pela segunda vez. Acendeu apenas uma luz, para poder enxergar com mais clareza. Livrou-se da camisa, deixando numa poltrona próxima, e pegou-a no colo com pouco esforço, de modo a levá-la para a cama.

Mais ou menos no meio do caminho, ela acordou:

— Achei que tinha ido embora. — A voz estava rouca, ainda afetada pelo sono.

— Não fui — respondeu (a própria voz meio engasgada depois de ouvi-la falando), empurrando a porta do quarto com o ombro. Acomodou-a na cama, puxando o cobertor para cobrir o corpo feminino.

— Então fica — pediu a moça, apertando a mão dele, que imitou o gesto.

O rapaz acabou se deitando também, não resistindo a envolvê-la no seu abraço. Ela acariciou o rosto dele e enroscou a perna no quadril despido do acompanhante, fechando os olhos.

— Fico.

Talvez a jovem tenha sonhado com esse último sussurro, mas não importava, porque ele estava ali: era o que precisava para relaxar a expressão e afundar no mundo dos sonhos.

Ele também fechou os olhos. O sussurro havia sido real.

 O sussurro havia sido real

Ops! Esta imagem não segue nossas diretrizes de conteúdo. Para continuar a publicação, tente removê-la ou carregar outra.


B'shert [O contraste de suas luzes] - DEGUSTAÇÃOOnde histórias criam vida. Descubra agora