CAPÍTULO 10-AS COISAS SE COMPLICAM

1.1K 184 31
                                    


  Paulo acordou no meio da noite. Estava agarrado à cintura de Luciano, que tinha a cabeça enfiada em seu peito e que murmurava palavras desconexas. O dentista o soltou com cuidado e olhou as horas no relógio ao lado da cama: três e quinze da manhã. Notou que passara da hora de administrar o remédio e que, em consequência de sua irresponsabilidade, a febre parecia ter aumentado. Murmurando um palavrão, acendeu o abajur de cabeceira e começou a procurar o remédio.

_Belo vigia eu sou, viu?! – tocou o pescoço de Luciano._Olha só que febrão você está e eu aqui dormindo feito um porco! Se o Leo fica sabendo da minha irresponsabilidade, aí sim vai querer te levar embora..._resmungou Paulo se atrapalhando todo e derrubando a garrafa de água no chão._Droga! Beleza! Agora é que eu fiz merda mesmo! Vou ter que ir lá embaixo buscar outra garrafa de água!

Quando estava voltando com a garrafa de água, a energia acabou.

_Ah, não...como diria a Cida, isso só pode ser macumba, meu Deus!

Voltou na cozinha tateando até achar a gaveta e uma vela. Acendeu e voltou a subir as escadas.

Quando abriu a porta do quarto, Paulo levou um susto enorme ao ver Luciano sentado com as pernas cruzadas debaixo do corpo olhando pra ele e com as mãos entre as pernas, como se fosse uma criança. Sorriu para Paulo com um familiar balançar de cabeça.

_O que você está fazendo..._começou confuso.

_Pati, é melhor você apagar a vela, porque a mamãe não gosta que a gente brinque com fogo._disse Luciano com uma voz diferente, balançando a cabeça ainda com uma atitude infantil.

_Como é que é? Como é que você me chamou?

Paulo sentiu o corpo todo se arrepiando, pois a única pessoa que o chamava assim era Lurdinha, sua irmã que morrera aos cinco anos de meningite. Na época, Paulo tinha oito anos de idade e era apaixonado pela irmã.

_Você está com uma cara engraçada, parecendo aquele dia em que o Leo colocou uma aranha dentro de sua mochila.

Paulo aproximou-se lentamente da cama e colocou a vela no criado ao lado. Viu quando Luciano coçou o nariz da mesma forma que Lurdinha costumava fazer, quando ria de algo.

O dentista passou as mãos pelos cabelos piscando diversas vezes confuso. Não sabia se sentia medo ou se pirava de vez.

Estaria sonhando?

_Pati, você não pode deixá-lo ir embora, o tio Flávio ficará magoado com você!_disse Luciano novamente.

_O...tio Flávio? Ele não quer que eu não deixe quem ir embora?_gaguejou Paulo sentando-se lentamente na beirada da cama.

_O Luti, claro! O tio Flávio quer que você cuide do Luti e ele falou assim que ele trouxe o Luti pra fazer companhia pra você, porque você ficou muito solitário depois que ele partiu... mas que você parece não perceber...

Luciano tombou a cabeça de lado e ficou olhando fixamente para o rosto de Paulo, como se esperasse que ele falasse alguma coisa.

_Aff...ficou mudo agora? Fale alguma coisa, Pati! Se você não falar nada, eu vou chamar o Ricardo Leitão para dar uma sacudida em você..._Luciano riu lembrando-se de algo._Lembra-se quando ele falou que te daria o carrinho de rolimãs dele se você passasse as respostas da prova de matemática pra ele? Mas você nem tinha estudado pra prova e t ambém não sabia nada!

_Meu Deus...Lurdinha? _finalmente, Paulo conseguiu pronunciar as palavras que teimavam em não sair.

_Dããã...não, seu bobo, é a Priscila sardenta que veio tentar te dar um beijo na boca de novo!

Luciano começou a rir de forma infantil da própria piada. Nesse momento, ele também fechou os olhos e tombou a cabeça para trás e Paulo viu o corpo tombar e se afundar nos travesseiros.

Paulo ficou imóvel, esperando qual seria a próxima frase de sua irmã, quando, de repente, a luz voltou.

O dentista ficou parado olhando o corpo de Luciano estirado sobre as roupas de cama desarrumadas e, com muito custo, ele se aproximou lentamente.

De repente, não sabia que nome falar com a pessoa que tinha na sua frente. Não sabia se deveria chamar Luciano ou Lurdinha.

Notou que Luciano franzia as sobrancelhas confuso e abria os olhos como se fizesse um esforço enorme para realizar a tarefa.

_Doutor Paulo...quantas horas? _gemeu.

Paulo percebeu que ele não tinha mais a voz da irmã caçula.

_Já passam das três da manhã...Luti._disse o dentista finalmente.

Estendeu o comprimido e ajudou Luciano a tomá-lo, junto com um pouco de água.

_Estou péssimo...creio que a febre não abaixou..._sussurrou Luciano voltando a dormir.

Paulo ficou um longo tempo parado em frente à cama esperando que algo mais acontecesse, até que apagou a luz e deitou-se novamente ao lado de Luciano.

Com a cabeça a mil por hora, olhou a face adormecida até que não aguentando mais, também adormeceu, depois que constatou que a febre cedera e que o rapaz já ressonava tranquilamente.

UMA SEGUNDA CHANCE-Romance GayOnde histórias criam vida. Descubra agora