CAPÍTULO 9: UMA LONGA NOITE DE VIGÍLIA

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 Paulo voltou para o quarto e dispensou Cida. Antes de sair, porém, a empregada sussurrou para o dentista:

_Ele não deu trabalho, Dr. Paulo. Ele é muito mansinho, pobrezinho.

_Mansinho..._sussurrou Paulo comovido quando ela fechou a porta e os deixou sozinhos.

Tocou a testa de Luciano. Ele ainda tinha febre. Talvez os remédios ainda não tivessem começado a fazer efeito.

_O senhor voltou...Obrigado por ser tão bom pra mim..._disse Luciano num fio de voz olhando o médico.

_É, voltei._disse Paulo trocando a toalha molhada na testa de Luciano._A Cida teve que ir embora e eu vou passar a noite com você.

Por um momento, ele fechou os olhos novamente e pareceu voltar a dormir.

Vê-lo imóvel daquele jeito, fez com que a mente de Paulo tivesse uma espécie de dejavu: o medo de Flávio fechar os olhos e não recobrar mais a consciência ainda doía dentro dele. Aflito e inconscientemente, ele chamou suavemente:

_Luciano...

Luciano abriu os olhos novamente e sorriu mansamente.

_Dr. Paulo,faria uma coisa por mim? Como eu lhe disse, meus pais me deram o nome deLuciano, mas meu avô insistiu que queria que eu me chamasse Luti. Minha relaçãocom meu avô sempre foi mais estreita do que a minha relação com os meus pais.Talvez porque eu fosse o primeiro neto homem dele. Quando eu fui expulso decasa por minha homossexualidade, minha avó já tinha morrido e meu avô me chamou pra morar com ele. Ele sabia que tinha algo errado, mas não me perguntou nada, nem mesmo por que meus pais tinham me expulsado de caso. Infelizmente, ele era muito doente e, apesar de eu cuidar dele com extremo carinho, ele morreu apenas um ano depois que eu fui pra casa dele. Novamente, fui expulso de casa por meus pais que logo venderam a casa do meu avô. Mas, Dr. Paulo, naqueles meses em que estive com meu avô, pude me sentir tão amado por ele e ele me chamava tão carinhosamente de Luti que eu gostaria de ouvir alguém me chamando assim novamente. Você faria isso por mim...em homenagem à memória do meu avô?

_Tudo bem...Luti..._Paulo sorriu para o rapaz febril.

_Gosto desse seu jeito de me chamar. Aliás, naquele dia....eu menti pro senhor...quando voltei ao seu consultório. Ouvi o senhor me chamar as duas vezes, mas fingi dormir. Era tão bom estar perto de alguém que finalmente me respeitava daquele jeito...é uma das qualidades que mais admiro em uma pessoa...respeitar o sono dos outros...

_Quem desrespeitou o seu sono...Luti? Cida disse que você é tão...mansinho...

_Mansinho...definitivamente, nunca me chamaram de mansinho...

_Mas não respondeu a minha pergunta.

_Todos...todos eles...meus pais, irmãos...ao me acordarem me chamando de pervertido, promíscuo, depravado, possuído...bichinha maldita...até que me colocaram pra fora de casa...e depois, meu namorado desgraçado que queria que eu ficasse todas as noites acordado para ser abusado e violentado por ele e pelos amigos dele...

Luciano se remexeu na cama incomodado:

_Deus...eu estou fervendo por dentro, Dr. Paulo...acho que estou pior do que da primeira vez..._gemeu Luciano.

Paulo ficou pensando se deveria ligar para Leonardo. Os remédios já deveriam ter começado a fazer efeito.

_Luciano...

_Me chame de Luti...por favor..._repetiu Luciano._Pra que eu finja que estou novamente com o meu avô, que me tratou com tanto carinho...

_Luti...por que ele te chamava assim?

_Meu avô,como eu já disse...ele queria que eu me chamasse Luti, mas meu pai insistiu queeu tivesse um nome mais comum e aí, pra não contrariá-lo, minha mãe convenceu o meu pai a colocar Luciano Luti. Morei com ele por quase um ano, até que ele morreu..._repetiu Luciano e se remexeu na cama incomodado. _Nossa! Estou louco pra fazer xixi...me ajude a chegar ao banheiro, por favor?

_Não...Leo disse que você não deve sair da cama. Colocamos uma fralda em você. Pode fazer xixi aí mesmo. Prometo que não se molhará e ficará sequinho.

_Vocês estão sendo tão bons pra mim..._Paulo achou tão lindo e meigo o jeito dele sorrir tombando levemente a cabeça de lado, fechando os olhos e os reabrindo lentamente.

Depois de um momento de silêncio, Paulo perguntou:

_Fez o xixi?

Luciano assentiu.

_Posso lhe perguntar uma coisa?

_Claro. O que o senhor quiser, Dr. Paulo.

_Aquele M nas suas nádegas...é M de Marcos?

_Pra mim não é de Marcos e sim de maldito!

_Não é uma tatuagem e sim uma queimadura..._Paulo falou horrorizado.

_Sim...nem imagina como aquilo doeu...viu as minhas costas, Dr.Paulo? Ele e os amigos dele realmente gostavam de me machucar... Pode olhar que todos os seis fizeram suas marcas...há cicatrizes com as iniciais dos seis homens que eram mais frequentes na casa do Marcos... _Luciano começou a tossir e Paulo notou que ele precisava descansar.

Parecia exausto, exaurido de todas as forças vitais.

Recriminou-se por tê-lo mantido tanto tempo conversando.

_Por que não tenta dormir um pouco? Te chamarei quando for a hora do remédio.

_Promete não me assustar e me chamar de mansinho?_Luciano tentou sorrir.

_Eu prometo...Assim como prometo cuidar de você direitinho até que você fique bom, Luti.

_Acho que está meio tarde pra fazer promessas...já deve estar amanhecendo...

_E que promessa eu não deveria fazer...Luti?

_Não o senhor, Dr. Paulo...mas eu...não quero prometer que não irei me apaixonar pelo senhor...

Beijou a mão de Paulo com os lábios quentes e sussurrou com meiguice:

_Deita aqui comigo e me abraça, vai...estou tão carente...e com tanto frio...e o senhor é tão cheiroso...quentinho...faz isso por mim, vai?

Paulo fez justamente o que ele pediu, mesmo notando que ele já voltara a dormir e não percebera a sua aproximação. O médico fechou os olhos. Era como se tivesse Flávio em seus braços novamente.

UMA SEGUNDA CHANCE-Romance GayOnde histórias criam vida. Descubra agora