Capítulo 4

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"Foi me ensinado a não ter medo de escuro, mas nunca me preparam para um momento como esse.
Olhando agora, parece que foi tudo em vão."

Eu abro os olhos.
Estou de pé.
E estou no breu.
Em um breu tão intenso.
Tão intenso.
Como eu queria que não importasse.
Como eu queria.
Mas importa tanto.
Tanto.
Vejo sangue.
Muito sangue.
E meu corpo está todo manchado.
Mas eu não matei ninguém.
Eu não matei.
Eu não matei.
Mais sangue.
O chão está manchado também.
E as paredes.
E o teto.
Sangue escorre de algum lugar.
De algum lugar que eu não consigo ver.
Um corpo.
Dois.
Três.
Meu estômago embrulha.
E eu vomito.
Minhas pernas bambeam e eu caio de joelhos.
Mas meus olhos não desprendem da cena.
Eles não me obedecem.
Não me obedecem.
O que está acontecendo aqui?
E eu vejo.
Eu vejo as pernas brancas de alguém.
São dela.
E ela caminha.
Posso ver parte do seu corpo.
Posso ver até as coxas.
E o breu cobre quase todo resto dela.
Mas claramente vejo seus olhos.
Seus olhos brancos.
Perolados.
Como se não possuísse alma.
"Não a encare."
Mas não consigo desviar o olhar.
Ela pisa sobre os corpos empilhados.
E escuto um barulho de guinchos vindo de um deles.
Ainda tem alguém vivo.
Algum deles ainda está vivo.
Posso vê-la.
Vagalumes de luz prateada voam próximos a ela.
Eu não sei de onde vieram.
Mas eles iluminam seu sorriso.
E meus pelos da nuca arrepiam.
Ela aperta os corpos com mais força.
Tanta força.
E os guinchos se tornam mais altos.
Tão mais altos.
Um barulho estridente.
E eles param.
Eles pararam.
Ele morreu.
Ela o matou.
E seu sorriso se alarga.
Ela levanta o pé ensanguentado e pisa sobre a cabeça do outro corpo.
Eu quero gritar.
Mas o som não sai.
O som não sai.
Eu quero fechar os olhos.
Mas eu não consigo.
Eu não consigo.
Estou chorando.
Eu estou chorando sem sequer piscar.
As lágrimas frenéticas caem sobre a poça de sangue.
E lá se perdem.
Ela força a perna.
E escuto o ranger dos ossos.
Eu escuto.
Mas eu não quero escutar.
Seu sorriso se alarga.
E por fim eu consigo piscar os olhos.
Os corpos sumiram.
Ela sumiu.
Mas estou sentada de joelhos.
E estou sobre uma poça de sangue.
Não é tão grande.
Mas eu não sei de onde veio.
Meu estômago revira e tapo a boca.
Eu estou em pânico.
E ainda choro.
Eu não sei o que aconteceu agora.
Ela.
Ela me manipulou.
E me deu uma visão do que ela pode fazer.
Me implantou medo.
Instaurou terror.
Meu coração bate tão rápido.
Tão rápido.
Eu sequer consigo me por de pé.
E sequer consigo pensar sem que aquele par de olhos invada meus pensamentos.
"Não a encare"

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