Capítulo 10

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"As melhores pessoas são as primeiras a morrer, e suas mortes são as mais dolorosas.
Alguém me disse isso uma vez.
Alguém que tinha toda a razão."

Eu não quero olhar para o lado.
Eu não quero olhar.
Então fito o chão.
Apenas o chão.
Dói tanto.
Aqui dentro.
E não olho novamente para o corpo de Noah.
Noah.
- Me p-perdoe...
Digo sem olhar para seu rosto sem vida mais uma vez.
Eu não pude ajudá-lo.
E até certo tempo atrás eu não lembrava.
Tempo que eu não ousei contar.
Eu não contei.
Mas Noah está muito parecido com as memórias que agora preenchem minha mente.
Eu não devo estar aqui a muito tempo.
Eu não devo.
Eu não acredito nisso.
Eu o amava tanto.
Tanto.
Me recuso a olhar para ele.
Me recuso olhar para ele de novo.
E forço a mim mesma a me levantar.
Me forço a levantar sem cair.
Estou tão mais calma.
Tão mais calma.
Mas ainda é tão difícil controlar o pânico.
Tão difícil.
Mas me recuso a ceder a ele.
Por fim, me ponho de pé.
Mas ainda não solto de sua mão.
Eu não solto.
Eu poderia rezar por ele.
Por sua alma.
Mas eu não sei como se faz isso.
Eu não sei.
E sequer sei a quem eu deveria.
Mas sei que fizemos isso quando o cachorro dele morreu.
E tenho apenas essas memórias de alguma morte.
Apenas essas.
Não sei se fico feliz ou triste com isso.
Eu não sei.
Meus olhos estão marejados.
Mas eu não cedo a emoções.
Eu não posso.
- D-descanse e-em paz... E n-não se esqueça de mim aonde quer que você esteja agora...
Repito as palavras daquele dia.
E elas doem.
Mas eu não levanto a cabeça.
Eu não olho para ele.
E dou um passo em direção ao outro corpo.
Um passo.
E eu não caio.
Estou apenas andando como uma pessoas deve andar.
Uma pessoa normal.
Mais um passo.
E sua mão escorrega.
Sua mão escorrega e atinge o chão.
Mas eu não escuto o som.
Recuso a escutar.
Mais um passo.
Dois.
Três.
E mais um.
Estou tão perto agora.
Tão perto.
Esse corpo.
Esse corpo de um alguém que foi tão importante para mim.
Tão importante.
Mas eu não caio em prantos.
Eu não caio.
Estou de pé.
Agora é como se eu tivesse reaprendido a andar.
Como se eu já soubesse a andar.
As memórias com Noah me trouxeram isso de volta.
Não sei se fico feliz ou triste.
Como isso me incomoda.
Como.
Meus olhos marejam mais.
E eu não choro.
Eu não choro.
Estou parada do lado dela.
Ela.
Estico minha mão para seus cabelos ruivos.
Ruivos alaranjados.
Eu não consigo vê-los.
Mas eu sei.
Eu sei a cor.
Eu me lembro dela.
Natasha.
Nat.
E olho em seu olho.
Seu olho castanho escuro.
Está aberto e sem vida.
Pois o outro não está aqui.
Tem apenas uma grande e recente cicatriz no lugar dele.
Meus olhos lacrimejam.
E eu estou chorando.
Me abaixo até ficar em sua altura.
E arrumo seus cabelos bagunçados.
Minha vizinha.
Amiga de infância.
Amiga minha que apresentei a Noah.
Amiga minha que virou nossa.
Toco em sua cicatriz.
E uma cena ocupa minha mente.
Uma memória dela.
Ela estava me procurando.
Ela e Noah.
Eles foram atrás de mim.
E foram mortos por isso.
Eu não consigo.
Eu não consigo mais ser forte.
Estou chorando.
Chorando com soluços contidos.
Eles morreram por mim.
Por mim.
Colocando uma mecha de seus cabelos atrás da orelha.
Igual quando Noah fazia para me acalmar.
Está doendo mais.
Está doendo tão mais.
- O-obrigada Nat.
Me forço a falar enquanto limpo uma lágrima seca em seu olho inteiro.
- Agradeça a Noah por mim.
Não estou mais gaguejando.
Não estou mais com dificuldade em falar.
Não estou.
- Vocês eram pessoas boas... E eu não vou me esquecer de vocês.
Eu prometo que não vou me esquecer.
Prometo, ao menos, que vou tentar.
Ter as lembranças de pessoas como eles me deixa melhor.
Mas deixa tudo tão mais triste.
Tão mais triste.
- Então não se esqueçam de mim...
Dou um sorriso.
Um sorriso.
Primeira vez que sorrio aqui.
Mesmo que não seja um sorriso totalmente feliz.
- Diga para ele... Diga para Noah que eu o amava. Diga para ele, por mim. Eu sei que você vai fazer isso por mim. Você estava certa no final...
Eu sei...
- E eu prometo. Eu prometo que vou sair daqui. E prometo que vou homenagear vocês quando eu for embora.
Eu prometo...
Prometo sem saber se poderei cumprir.
Mas eu quero.
Eu quero tanto.
- Vocês foram os melhores amigos que eu tive em toda, toda minha vida.
E posso imaginar eles sorrindo para mim.
- Obrigada.
Estou mais forte.
Estou mais forte.
Eu.
Eu estou mais forte.
E eu vou.
Eu vou sair daqui.

"- Espera, Nat! - Grito sem fôlego para a menina que corre na minha frente.
- Anda Mel! Vamos chegar atrasados se seguirmos nesse ritmo. - diz ela parando.
- Não tem problema, minha mãe não vai se irritar com isso - Completa Noah sorrindo.
- Que seja - Ela bufa e eu e Noah começamos a rir - O que foi!?
- Nada. - Me defendo da garota explosiva que eu chamo de amiga levantando a mão em sinal de rendição.
E olho para Noah que devolve o olhar.
A feição de Nat muda.
- Vocês formam um casal tão fofo! - Diz ela.
- Nat!
Noah cora, e eu percebo.
Parece que Nat também percebe.
Ela vira dando as costas para nós e olhando para frente, com as mãos na cabeça, rindo da nossa reação.
- Vamos! Vocês dois parecendo dois espantalhos aí.
- E você é uma ótima amiga...
Escuto Noah murmurar dando ênfase na palavra ótima.
Eu dou uma leve risada.
E ele sorri com isso."




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