Capítulo 6

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"Eu não entendo qual o jogo dela, não entendo quais são suas regras, não entendo o que ela quer.
E temo nunca entender, temo morrer antes."

A porta, nada mais é que apenas a estrutura.
Apenas o batente.
Não preciso fazer nada que não seja atravessá-lo.
Mas não olho para o outro cômodo.
Me recuso a olhar.
Ela pode estar ali.
Eu posso vê-la se eu abrir os olhos.
E eu não quero.
Eu não quero me encontrar com ela de novo.
De olhos fechados me seguro no batente.
E me ergo devagar.
Devagar o suficiente para que eu não caia.
E me agarro nele.
Colando minha barriga na madeira.
Minha cabeça está virada para o suposto cômodo.
Estou com medo.
Minhas pernas fraquejam.
Mas me agarro com tanta força.
Tanta força.
Que meu corpo é forçado em pé.
Eu não quero abrir os olhos.
Mas eu não quero andar no escuro.
Eu abro.
Rápido.
Tão rápido.
E me encontro com um cômodo tão grande.
Tão grande.
E tão escuro.
Mas consigo ver.
Mesmo que não muito.
Forço meus olhos para explorar cada canto que eu puder.
E eles doem.
Mas me recuso a parar.
Me recuso a parar de ver.
E tem uma porta.
Uma porta tão grande.
Tão grande.
De tom mais escuro que o resto.
Mesmo que eu não saiba de que cor seja.
Eu posso ir até ela.
Eu posso abri-la.
Abri-la.
E ir embora.
Ir para casa.
Ser banhada pelo sol mais uma vez.
Mais uma vez.
E sem sequer pensar ameaço dar um passo.
Mas não me desagarro da parede.
Estou tão desesperada.
Tão desesperada.
E estou sendo tão idiota.
Tão idiota.
Ela não deixaria a porta aberta.
Ela não deixaria.
Ela não é idiota.
Ela não é.
Eu sou.
E não tem como eu sair daqui tão fácil.
Ela não vai me deixar sair daqui tão fácil.
Pisco os olhos com força.
Eles marejam.
Mas me recuso a chorar.
Me recuso a chorar.
Não posso ser tão fraca.
Não posso.
Balanço a cabeça na tentativa de me livrar do que estava pensando.
E foco em observar o cômodo novamente.
Tem uma escada.
Bem à frente da porta.
Uma escada que leva para algum tipo de segundo andar.
Algum tipo de segundo andar que posso ver daqui.
Ele cobre só metade do cômodo.
E tem uma cerca para que nenhum alguém caia.
Nenhum alguém que pode ter um dia vivido aqui.
Nenhum alguém que ela pode ter matado.
Duvido que qualquer um que tenha pisado os pés aqui esteja vivo.
Mas lá tem três portas.
E mais outras duas.
A escada está tão perto.
Tão perto.
Mais perto do que aquele canto para a suposta porta.
Eu posso caminhar até ela.
Eu posso tentar caminhar até ela.
Temo que eu caia denovo.
Temo que eu tenha que me arrastar novamente.
E temo que eu fique em estado mais deplorável do que estou agora.
Mas eu preciso andar.
Eu preciso andar se eu quiser sair daqui.
Eu vou ter que andar.
Do jeito que for.
Eu vou ter que tentar, ao menos.
Eu não sou mais uma criança para não saber andar.
Mas não parece tão fácil.
Das poucas memórias que ainda tenho.
Andar parece tão simples.
Tão simples.
Mas aqui, agora, parece tão difícil.
Tão diferente.
São só alguns passos.
Um.
E dois.
Não pode ser tão difícil.
Não pode ser tão difícil.
Ainda segurando o batente.
Dou um passo.
Um passo.
Um passo tão firme que não vou cair.
Eu não vou cair.
Me solto.
E estou de pé sem segurar em nada.
Me sinto incrivelmente bem por isso.
E me forço a dar mais um passo.
Mais um passo em direção ao corrimão da escada.
E já poderei me apoiar nele.
Respiro fundo.
Tão fundo.
Que sinto as voltas que o ar dá pelos meus pulmões.
E dois.
Dois passos.
Não caio.
Eu não caio.
Suspiro.
Estou tão perto agora.
Tão perto que consigo me apoiar no corrimão.
Madeira.
É de madeira igual às partes da casa que pude ver.
Está tão desgastado, tão desgastado.
E não pode ser tão difícil subir a escada me apoiando nele.
Não pode ser tão difícil.
Mas tem manchas de sangue nele.
E minha mão manchada não colabora com não deixá-lo mais sujo.
Mais sujo.
Meu estômago revira e eu tapo a boca com a mão.
Eu não posso vomitar agora.
Eu não posso.
E me forço a engolir o vômito.
Me forço a ir até o pé da escada.
E subir o primeiro degrau.
Me apoiando pelo corrimão.
Subo.
E não foi tão difícil.
Não foi tão difícil.
Mas não me arrisco a desgrudar do corrimão.
E subo.
Dois.
Três.
Um.
Dois.
Três.
Um.
Dois.
Três.
Um.
Dois.
E o último.
Eu subi.
Eu consegui subir.
E estou feliz que consegui andar.
Mas minha testa está suada.
Eu subi uma escada com três mais três mais três mais três degraus.
E não me lembro de ter subido uma escada antes.
Antes de eu aparecer aqui.
Meu coração bate rápido.
Eu ainda estou com medo.
Mas não com muito.
Não sei se fico feliz ou triste.
Escuto um barulho.
Um barulho vindo de perto do início da escada
- Me-la-nie
Meus pelos da nuca arrepiam.
Mas não olho para trás.
Por que ela está aqui.
E ela sabe meu nome.

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