A Mancha

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Aproxima-se silenciosamente da praça com passos calmos, coração ansioso e os olhos atentos. A mancha está em um banco de madeira visto por trás, mas ainda não é decifrável, o assento dificulta bastante sua visualização. Está respirando. Espera cada vez mais que seu cérebro esteja lhe pregando uma peça. Teme que as Coisas não sejam mais sensíveis à luz, assim elas poderiam cruzar cidades chegando até ele e a limpeza que fez seria em vão. Chegando a uma distância suficiente atira quase sem pensar. A flecha vai em direção ao alvo em uma velocidade impressionante. A força dela poderia sem dúvida alguma quebrar um osso. Sua pontaria foi excelente, entretanto o fim do percurso foi o banco. A seta atravessa a madeira e sua ponta atinge o objetivo. Há um grito de dor e susto, a criatura ao ser acertada projeta-se do banco e examina em volta cambaleando como bêbada.

Finalmente a mancha se torna visível e decifrável, é um garoto. Ao perceber a pequena figura sofrida, cansada com roupas rasgadas e imundas uma onda de confusão toma conta de sua mente. É um jovem saudável, não possui olhos brancos como as criaturas. O garoto ao perceber que foi um ataque, foge mancando pela rua mais próxima. Ainda em estado de choque observa a fuga paralisado. Não esperava jamais ver um sobrevivente alí, ainda mais um tão jovem. Deixou uma trilha fina de sangue, deve ter sido atingido na perna, não irá muito longe.

Pega sua bicicleta e segue a pequena trilha deixada. Preocupa-se com o pequeno sobrevivente, está perdendo muito sangue. Ser culpado pela morte dele seria um peso insuportável.

Essa parte da cidade ele evita chegar perto por causa do galpão. Sonhou muitas vezes que as criaturas fugiam e o buscavam e isso o fez temer aproximar-se. A trilha contorna o lugar. Mas é impossível adentrar, ele mesmo se certificou de trancar e reforçar todas as passagens que tinham enfraquecido. Continua seguindo pela lateral da construção. A trilha se torna cada vez menos visível e ao chegar próximo da parte traseira já não há mais pista alguma do rumo do garoto. Avançando mais um pouco chega às costas do galpão. O que vê, o deixa desesperado, seu corpo todo gela e se ausentar de cor. O tempo foi traiçoeiro e corroeu um pequeno buraco nos tijolos. O suficiente para que as criaturas pudessem fugir.

Sente o pulsar de seu coração em toda sua pele. Passa a andar em círculos com as mãos na cabeça, como se estimulasse o raciocínio. Ele quer salvar a vida do garoto, mas o pequeno esconde-se no pior lugar possível. O pânico torna-se ódio, e os xingamentos mais chulos vem-lhe no pensamento. Porém ele o feriu e não conseguiria abandoná-lo num local habitado por Coisas que desejam unicamente devorar tudo que é vivo. Talvez, ao tentar salvá-lo perca sua vida ou seja mordido e condenado a viver como elas. Por isso reluta e o conflito interno corrói seus pensamentos deixando apenas a confusão. Num movimento impulsivo de desespero interrompe seu trajeto circular e se aperta na passagem da parede entrando no local onde teme tornar-se seu túmulo.

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