O Quarto

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Ele desperta depois de um sono mal dormido assim como foram todos dos últimos sete anos. Abre os olhos, mas não há luz. Ao seu lado tateia um criado mudo feito por ele mesmo. Encontra uma caixa de fósforo e uma vela que usa pra iluminar o ambiente. É um quarto cúbico grande o suficiente pra guardar o necessário. Mantém suas coisas em caixas que ficam empilhadas na parede adjacente à que a cama encosta. Em outra parede há uma estante de livros e um calendário e na última há duas portas. Uma leva ao banheiro e outra pra fora. Alonga-se e leva a vela ao banheiro. Um lugar bem cuidado, pequeno e de azulejo branco e bem limpo com uma pia, um vaso de cerâmica e um chuveiro de aparência de velha. Lava o rosto, escova os dentes, toma banho, põe uma roupa e sai. O sol surge aos poucos, projetando os primeiros raios do dia. No ambiente externo há uma cisterna, uma bicicleta vermelha encostada numa das paredes, restos de uma fogueira, uma pequena área coberta com tanque de lavar roupa e varal, uma horta morta e um cercado de arame farpado. O local fica em um morro com vista pra cidade vazia.

Construiu tudo com materiais esquecidos nas madeireiras e lojas de materiais de construção. Aprendeu com os livros da biblioteca, um dos poucos lugares que ainda visita e mantém. Sempre que precisa pesquisa nos livros e guarda consigo os mais importantes. E assim construiu o quarto, fez a encanação, a fossa, a cisterna, o cercado, a horta, tudo. Foi uma boa forma de passar o tempo depois da Grande Mudança.

Antes da horta, ele só tinha os enlatados deixados nos mercados e nas casas. Quando se deu conta que era um recurso finito tratou de fazê-la. E deu certo durante muito tempo. Mas recentemente sem motivo aparente algum ela morreu, não só ela como toda a vegetação da região. Não sobrou, nenhuma fruta, legume, folha ou raiz que seja. Ele fez tudo que os livros disseram, trocou até o solo, mas as sementes não vingaram. Vinha se alimentando dos enlatados que sobraram, mas há cinco dias eles esgotaram. Ele teme agora, depois de tanta luta, morrer de fome. Vê-se obrigado a fazer uma busca na cidade. Algo que o incomoda profundamente.

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