Ao chegar em casa busca uma corda, quer usá-la como fez uma das personagens de um livro da biblioteca. Não suporta mais. Escapou-lhe completamente todas as esperanças e vontades.
Faz um nó de forca, posiciona o criado mudo e sobe, amarra a corda em uma das madeiras do teto, envolve seu pescoço com a ponta do nó e deixa seu pensamento tortura-lhe novamente esperando que isso dê coragem a seu corpo.
-Mais uma vez sozinho… Vivi a mercê do medo consumindo as sobras de uma cidade vazia assombrada pelo passado. Meu único feito foi sobreviver observando a morte e o apodrecimento de todos sem conseguir evitar nada. Incapaz. Medíocre. Inútil. Covarde. Sozinho e sem chance de redenção. Tudo acabou. Fugia da morte, mas não há mais pelo que continuar há muito tempo. Perdi meu cotidiano, meu emprego, os bons dias e boas noites, os cartões de boas festas, as reuniões de amigos, os passeios em família, as conversas sem sentido, as festas de aniversário, todos meus amigos, colegas, vizinhos e família. Esse afastamento de tudo me envolveu em um silêncio perturbador dando voz ao eu interno que se provou uma criatura mais amedrontadora que as Coisas. Evitando enfrentar-me ocupei-me com afazeres e livros que não eram importantes de verdade. Ignorei-me completamente, anestesiei-me com esquecimento e segui uma trajetória fútil. Mas basta! Isso termina hoje. Viver não trará nada de volta.
Cerra os olhos e passa alguns segundos tentando forçar seu corpo à chutar o criado mudo no qual se sustenta. Suas pernas tremem, mas não obedecem.
Um vento vindo da porta que deixou aberta invade o quarto tremulando a chama da vela e descendo a temperatura. O que faz Matheus abrir os olhos e examinar o local. O vento circulava pelo cômodo fazendo flutuar um pedaço de papel que ele reconhece ser o que o garoto guardava em seu bolso. Acompanha a dança da folha com os olhos enquanto lembra do momento em que o menino se esforça para lhe mostrar o mapa. De repente seu corpo trêmulo se torna estático, seus olhos arregalaram como se descobrissem algo extraordinário.
-Família!
Um fio de esperança nasce em si. O suficiente para desenvolver seu pescoço da forca improvisada e buscar o papel flutuante. Repete:
-Família!
(PRÓXIMO EPISÓDIO SERÁ POSTADO EM BREVE)

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MATHEUS
Misteri / ThrillerSozinho e assombrado por um passado nebuloso, Matheus sobrevive dos restos de uma cidade abandonada. Enfrentando seus medos mais intensos e segredos mais obscuros.