Matheus

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Correndo, sente incomodar-lhe a bolsa. O incômodo faz-lhe recordar dos itens alí presentes. Desacelera a fim de retirar da bolsa a garrafa com álcool e a corda. Solta a corda cortando a passagem e encharca com álcool até certa distância. O frio que precede a Criatura já é insuportável e seus urros, próximos. É custoso riscar o fósforo com os dedos dormentes. Após eternos segundos ateia fogo no chão alcoolizado. A criatura em seus movimentos de mais pura ira avança hostil em direção ao fogo invisível. O calor corre a trilha de álcool e antes que chegasse à corda, encontra a Besta e devora por completo o Demônio, produzindo uma labareda explosiva que empurra o fugitivo. Os guinchos de tormento da Coisa penetram seu corpo dando a impressão de que origina de seu centro. Na explosão sua arma escapa de seu corpo sem ser notada.

Corre com maior fugacidade desprezando a fadiga. À sua frente o negrume é fatiado por fracos raios de luz. Está próximo da saída. O menino provavelmente já fugiu.

A alforria está logo à frente, mas em vez de alívio a aflição toma de conta. Quanto mais próximo, maior é o incômodo de estar ali. Finalmente atravessa a passagem, rejeita o lampião e joga-se pela fenda na parede, saindo do cenário de pesadelo que é o galpão. Rolando no chão para absorver o impacto vê o vulto da criança deitada no chão e repousa da mesma forma.

Ambos se encontram estirados, sujos, ofegantes e feridos, ao som de gemidos que se assemelha a um coral demoníaco e longo. As dores e a fadiga vem à tona gradativamente. A dor lembra da necessidade de cuidar dos ferimentos. Com esforço olha para o garoto e diz:

Você precisa de cuidados - assusta-se com a própria voz que não escuta a muito tempo e depois de uma pequena pausa continua - temos que ir para um lugar seguro. Em breve escurece.

O garoto sem falar olha consentindo. Com grande esforço ambos erguem-se. Estão acabados. Vencer a morte não é triunfante como nos livros da biblioteca. As mãos tremem, as pernas não se sustentam bem, o pensamento está confuso. Sentem-se mais perto da derrota que de uma vitória. Recolhe a bicicleta e andando como embriagados vão em direção à estrada principal.

Já nela, rumando para a pequena casa do morro a criança estagna. Um momento depois ao captar a ausência, volta-se para o garoto e vigia.

Com uma expressão árdua de decifrar, o menino fita o chão ponderando sobre algo. Olha para o homem desconhecido que o atacou e posteriormente se arriscou pra salvar sua vida e entre tantas dúvidas uma curiosamente simples fala mais alto, expõe:

- Você tem um nome?

Talvez pela forma incomum da pergunta, talvez por passar tanto tempo sem ser confrontado quanto a isso, a resposta embaralha  em sua mente e sai em gaguejos:

- Matheus.

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