O Enterro

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As horas passam e Matheus procura em suas lembranças um bom lugar para guardar a memória do menino enterrando o corpo. Lembrou de uma árvore ali perto onde as pessoas iam para ter uma boa visão da cidade e do horizonte de serras.

Com lágrimas escorrendo dos olhos embrulhou o pequeno cadáver nos lençóis que compunham a cama, pôs nos braços e o levou para fora. Pegou sua pá encaixou acima do corpo e seguiu andando num ritmo constante ditado por seu cansaço.

O sol já descia dos céus derramando vermelho por toda a paisagem. Andando algumas colinas á esquerda da casa estava a árvore. Negra, sem vida, sem folhas, apenas um fantasma de um passado digno de contemplação e um presente deprimente para quem conhecia a antiga paisagem repleta de flores, abelhas e borboletas.

Repousa com cuidado o embrulho de lençóis nas raízes. E usa a pá para cavar um túmulo enquanto sua mente tortura-lhe.

Vem-lhe a culpa de seu passado, a culpa de seu presente e o tormento de um futuro. Sente-se um enorme fardo pra si mesmo. Não conseguiu cuidar de quem amava, sua esposa, sua filha, seus vizinhos, seus amigos, o garoto… Sente nojo de si. Se pergunta do porquê de estar vivo. Sente não aguentar nem merecer a vida. Lamenta ter lutado tanto se mantendo alí, só lutando mais e mais sem motivo. Percebe que o medo durante todos esses anos de perdas, foi a única motivação. Um covarde.

- Covarde! - repete em voz alta pondo mais força na pá.

E essa reflexão se repete de novo e de novo, sempre chegando à mesma conclusão.

Anoitece e a luz da lua deixa toda a visão mais macabra. Quando acredita ter cavado profundo o suficiente pega delicadamente o corpo em seus braços, deposita no fundo da cova e então põe toda a terra por cima.

O trabalho termina, sente sede e fome, mas não tem forças pra voltar. A fome e a sede não incomodam tanto, julga que merece passar por isso.

Deita entre as raízes da árvore morta e observa o céu. A lua e os astros através dos galhos secos parecem julgá-lo. Parecem lembrá-lo de sua incapacidade, de quão inútil, indigno de vida e covarde ele é.

- Covarde!

Mesmo se tentasse evitar esses pensamentos autodepreciativos não iriam parar de atacá-lo. Porém aceitou como verdade, então deixa fluir e concorda com tudo, se rebaixando até o último nível. Grita mais forte levantando-se com ódio de si:

- Covarde!

Anda furioso quase correndo em direção à casa. Os pensamentos o deixam cada vez mais irado e determinado, possuído pelo desejo de tirar a própria vida.


MATHEUSOnde histórias criam vida. Descubra agora