Uma tempestade se aproximava e o vento fazia os galhos das árvores balançarem enlouquecidos no cemitério...
- Ele vai fazer muita falta - disse Peter, colocando o braço em volta do ombro de Carol.
- Vai fazer mesmo. - Ela respondeu, com uma lágrima no rosto, enquanto olhava o caixão sendo baixado lentamente.
- Vamos embora - continuou Peter -, o que tinha de ser feito já foi feito.
Carol pareceu retrucar o amigo com os olhos vermelhos e cansados pelo final de tarde agitado.
- Venha. Te dou uma carona até em casa.
Os dois se despedem das outras pessoas e andam até o carro. Durante o caminho, ninguém comentou as últimas 24 quatro horas que passaram juntos. Carol olhou pela janela do carro, o céu escuro e as primeiras gotas que começavam a cair no para-brisa.
- Vou ligar o aquecedor. - comentou Peter.
- Ele adorava a chuva - disse Carol, baixinho.
- O que você disse?
- Que ele... ele adorava chuva.
O carro parou em frente da casa. A chuva estava mais forte.
- Você vai ficar bem? - perguntou Peter.
- Sim. Acho que vou.
- Se quiser, eu posso...
- Não, tudo bem. - Ela o interrompeu. - Acho melhor você ir para casa e descansar. Eu ligo, se precisar de alguma coisa - concluiu ela, lhe dando um suave beijo no rosto.
Carol correu para não se molhar. O carro ainda ficou parado e só saiu quando ela entrou em casa.
Um silêncio estranho tomava conta do lugar, Carol trancou a porta e sentiu algo se enroscar entre suas pernas.
- Oi Miguel, como você passou o dia? Desculpe ter deixado você sozinho. - Ela pegou o gato no colo, acariciando seu dorso. - Vamos lá para cima, preciso tomar um banho.
Carol passou pelo corredor entrando no quarto, pela janela viu a chuva ficar mais forte. Entrou no banheiro e ao abrir a água quente da banheira, assustou-se ao ver-se no espelho, estava abatida e com os olhos fundos. Por alguns instantes ficou a olhar para si mesma, mas logo levou outro susto com o barulho do telefone tocando.
Enrolando uma toalha no corpo, desceu apressada a escada.
- Alô!
Do outro lado a linha parecia estar muda.
- Alô? - falou ela mais uma vez, na esperança de obter uma resposta. Que brincadeira sem graça. - Ela recolocou o fone no gancho. Foi quando ele voltou a tocar, fazendo-a atender rapidamente.
- Quem é? - perguntou, com a voz áspera.
- Carol. Oi, sou eu, a Nicole, tudo bem com você? - indagou a voz do outro lado da linha.
- Sim, estou bem... só um pouco cansada e...
- Desculpe por não ter ido ao funeral, tive que viajar... coisas do trabalho. Eu passo aí amanhã cedo pra te ver, tudo bem?
- Está bem.
- Então tchau! Até amanhã.
O banheiro já estava cheio de fumaça devido à água quente. Carol deitou seu corpo moreno dentro da banheira e fechou os olhos, tentando se esquecer das últimas horas.
Minutos depois ela ouviu o som de algo cair no chão.
- Miguel? Miguel, cadê você?
A porta do banheiro estava entreaberta, Carol moveu sua cabeça para ver se avistava o gato.
- Miguel? - Ela o chamou, com a voz presa, tentando ouvir algum barulho do bichano.
Assim que voltou para o quarto, viu o abajur de vidro quebrado, próximo à cama.
- Mas que droga Miguel! Como você foi fazer isso? - disse, com lamento, recolocando o abajur na mesinha-de-cabeceira.
Pela manhã, o sol brilhava forte, clareando o quarto. Carol, com o corpo pesado pela noite mal dormida, desceu para preparar o café, quando a campainha tocou.
- Oi Carol! - Nicole deu um forte abraço na amiga.
- Olá. - respondeu ela, sentindo um fardo sair de cima dos ombros.
- E aí. Como você está, hein? - indagou Nicole.
- Ainda não consigo acreditar no que aconteceu.
- Você já viu o vento que está lá fora?
- Vento? Não, não vi nada. - respondeu, chamando em seguida o gato para comer a ração.
- Acho que agora tudo vai ser diferente... vai ser difícil... saber que ele não vai mais estar com a gente.
- Quem? - indagou Carol, abrindo o armário da cozinha.
- Estou falando do Kaleb - disse Nicole. - Você está realmente bem?
- Estou. Só não consigo achar minha caneca que ganhei no Natal.
- Bom, preciso ir agora. Se precisar de qualquer coisa, é só ligar, Ok? - Nicole se despediu, dando-lhe um beijo no rosto e um abraço.
- Tudo bem.
Ao voltar para o quarto, Carol sentou na beirada da cama, tentava de todas as formas não lembrar, mas, era difícil esquecer o momento em que recebeu a notícia de que seu amigo dos tempos de colégio havia se matado. Não entendia como ele chegou a fazer tal coisa. Olhando para o relógio pegou o casaco em cima da cama e decidiu dar uma volta.
Carol andava calmamente pela calçada, o vento forte jogava seu cabelo para todos os lados. Com as mãos no bolso do casaco, seguiu olhando para cada casa que passava do bairro onde sempre morou.
- Oi Carol, como que você está minha filha? - perguntou uma senhora idosa, da janela de sua casa ao vê-la passar parecendo distraída.
- Oi dona Betina! Estou bem. - Ela respondeu, com um leve sorriso.
- Sinto muito pelo seu amigo.
- Obrigada.
- Bom, me desculpe, mas tenho que fechar a janela... esse vento está enchendo a minha casa de pó.
- Ah, sim. Tudo bem.
- Venha qualquer dia desses aqui para conversarmos e tomarmos um chá.
- Pode deixar, eu virei sim. - respondeu, vendo a mulher fechar a janela.
A caminhada durou uma hora. Fazia tempo que não passeava pelo quarteirão do bairro, desde que começou a trabalhar e a namorar, coisa que há tempo não fazia, devido à decepção provocada pelo ex.
Assim que chegou, foi até a cozinha e colocou a sacola de compras sobre a mesa. Uma brisa fria soprou de leve seu pescoço, fazendo os pelinhos da nuca se arrepiarem. De imediato e sem entender, Carol sentiu uma fragrância que conhecia muito bem. Um aroma cítrico misturado à canela e mirra. Seu coração começou a bater descompassado, foi quando notou a janela da cozinha aberta, Carol chegou a duvidar de si mesma, mas, lembrava muito bem de tê-la fechado antes de sair.
A cada passo mais perto da janela, o aroma ficava mais forte, a jovem sentiu uma lágrima escorrer pelo rosto e o coração se acalmar. Por que você fez isso comigo? - disse ela em meio um suspiro olhando para um ponto vazio no céu.
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Bem-vindo à Escuridão - Contos
KurzgeschichtenQuando a Escuridão chega não há nada que possamos fazer para que nossos medos se tornem reais. Muitas vezes estamos aprisionados a eles da forma mais íntima e comprometedora. Em meio a Casa em Árvores, Fotos antigas, Objetos... Sendo a força da Natu...