A MULHER DO QUADRO

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Daniel Monteiro era um reconhecido curador que viveu na França por quatro anos e estava para voltar à sua cidade. Ele passou os dias entre pinturas de Michelangelo, Monet e Da Vinci. Como foram bons aqueles anos - visitas à Torre Eiffel, museus e passeios noturnos ao Arco do Triunfo. Mas agora, queria voltar para cuidar de seu próprio museu.

O relógio do aeroporto marcava 23:50, Daniel seguia um pouco preocupado, em meio a pessoas conversando ao celular e outras esperando nas filas para fazer o check-in. Suas malas estavam no caminhão usado para o transporte de bagagens e, uma coisa de valor, recém adquirida também era transportada - um quadro que comprou de um velho negro e cego de um olho, que estava na calçada, sentado em um banquinho de madeira, desenhando alguma coisa em uma tela manchada com tinta azul. Ele usava óculos estilo John Lennon e tinha as mãos enrugadas pelo tempo. - O quadro era de uma mulher de vestido preto e longos cabelos vermelhos que planavam no ar, assim como seu corpo, que era envolto por uma mistura de cores brancas, azul-claro e cinza. O que chamou sua atenção para querer compra-lo foi que a mulher imaginava dançar com alguém que não era retratado no quadro.

Durante a viagem, enquanto tomava uma dose de uísque, lhe vieram à cabeça as palavras do velho. O que ele quis dizer com aquilo de o quadro ser...? - pensou Daniel.

Sete messes se passaram, Daniel montou seu próprio museu, que tinha quadros como: O Grito de Edvard Munch, A Virgem dos Rochedos, Leda e o Cisne, O rapto de Ganimedes, de Da Vinci, Mulheres no Jardim, e Impressão, Nascer do Sol, de Monet, e de Arnold Böecklin: A Ilha dos Mortos e Brincando nas Ondas; e esculturas que ganhou de presente do museu onde trabalhou; além disso, conquistou algo que planejou por anos, se casar com sua amiga de infância.

Mas nem tudo estava sendo como imaginara. O museu quase sempre estava cheio, mas, Daniel se sentia diferente, seu casamento com Bianca tinha lá seus momentos ruins, e isso era normal. O grande problema era ele. Suas mudanças de temperamento eram constantes e sem motivos - uma hora raiva e outras, um silêncio que deixava Bianca assustada.

- Sete meses e aquele quadro continua ali, Dan?

Daniel ficou tão fascinado pelo quadro que o colocou em destaque, era o primeiro a ser visto por quem entrasse no museu, que era interligado com a sala de estar.

- Por que a implicância com ele?

- Só não gosto dele, é isso.

- Besteira sua - disse, enchendo um cálice com licor de pitanga.

- Esses dias me peguei olhando você a admirá-lo.

- E?

- E? Achei estranho... É o único para o qual você mais olha.

- Só não me diga que isso é ciúme?

- Ah, Daniel, cansei. Minha mãe ligou hoje cedo e vou passar o final de semana lá.

- Tenha cuidado na estrada. - disse adentrando no museu.

Já era tarde e Daniel ainda estava no museu, sentado em uma poltrona de couro sob a fraca luz do abajur. Em sua mão o cálice com licor e, ao lado, a garrafa já quase vazia.

De repente, ao virar o restante do líquido da garrafa no cálice, Daniel foi tomado pela lembrança da voz do velho: "A mulher deste quadro vive e ela é sua agora. Por isso, não busque aquilo que você deixou para trás. É só isso que tenho para lhe dizer".

Ao chegar em casa na manhã de segunda-feira, Bianca estava disposta a recuperar seu casamento, que parecia estar indo para o fim.

- Daniel. Cheguei amor! Onde você está?

Bianca andou pela casa toda e ficou assustada, pois parecia que ele havia sumido. Será que ele dormiu no museu? - pensou ela.

Ao abrir a porta de correr de vidro temperado, ela sentiu o coração acelerar ao ver um pedaço de papel sobre a poltrona.

"Cometi um erro em voltar e achar que poderíamos viver

juntos. Essa noite ela veio me buscar.

Tentei retrucar, mas, ela disse que lhe pertencia,

e era assim que deveria ser.

Sinto pelo que fiz você passar".

Dias depois, Bianca arrumava as malas para ir passar uns tempos na casa da mãe quando o telefone começou a tocar.

- Alô! - disse ela com a voz e semblante ainda abatidos.

- Oi Bianca. Sou eu o Alison. Como que você está?

- Oi Alison. - falou ela. - Estou bem... só um pouco...

- Desculpe incomodar, é que me esqueci de perguntar uma coisa.

- Diga.

- É sobre um dos quadros que você me deu, o da mulher de vestido preto dançando com um homem. Qual o nome dele? Tenho comprador, mas, não sei dizer qual é o nome. Pesquisei na internet e também não encontrei nada que falasse dele.

- Também não sei... O Daniel ficava horas olhando para ele, era até estranho vê-lo admirar esse quadro. É só isso? Desculpe, é que...

- Não quero te atrapalhar. Era só isso mesmo. Tchau!

- Espere! Eu o ouvi chama-lo de... Ino... Inominalecrix... O que significa?

- I Dominatrix! A Dominadora. Obrigado Bianca, e desculpe incomodá-la.

*

Naquele mesmo dia horas depois, Bianca foi até a casa do amigo.

- Bianca! O que você faz aqui?

- Preciso ver o quadro do qual falamos... aquele da mulher dançando.

- Você não me parece bem. O que houve?

- Quero ver o quadro! Por favor.

- O comprador veio pegar logo que nos falamos, mas tenho uma foto dele no computador, foi pelo meu site que ele encontrou. Venha, é por aqui. Mas por que todo esse interesse nele?

- Se eu falar, você vai dizer que estou ficando louca.

- Sente-se e relaxe. Pronto, aqui está ele. - disse Alison mostrando a imagem do quadro.

Bianca sentiu os pelinhos dos braços arrepiarem ao ver uma foto do quadro em tela cheia. A mulher de vestido preto e cabelos vermelhos estava dançando com um homem que antes nunca esteve ali.

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