Salvador

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Gerard Way e um completo desconhecido corriam juntos pelas calçadas de Paris, sem dizer uma palavra ao outro e tentando se distanciar do barulho para terem certeza que estavam em um local seguro e calmo.

O estranho arrastou Gerard até um pequeno bar do bairro em que estavam. O dono do estabelecimento fechou a porta e a persiana bege, que dava contraste com o marrom da madeira escura da parede e dos móveis. Ele trancou a porta com uma grossa chave logo em seguida.

- Meu Deus, Frank, no que você se meteu agora? - ele falou para o desconhecido ao lado de Gerard. O rapaz não entendia absolutamente nada do que acontecera nos últimos minutos, e nem sabia o que estava fazendo, mas ouvia com atenção a conversa dos dois. - Não me diga que você estava com esses baderneiros. - Era incrível como o discurso do homem parecia com o do pai de Gee. - De uns tempos para cá, as coisas tem ficado liberais demais. Nós precisamos de ordem! No governo também, mas vocês estão fazendo demais o que querem.

- Ei, acalme-se. Eu não sabia que iriam usar violência. Vim para cá antes que tudo ficasse ainda pior. - justificou.

O homem se sentou em um dos bancos alcochoados das mesas presas à parede.  Ele estava acima do peso, era baixo e tinha cabelos grisalhos. Não havia mais ninguém no bar além dos três. Ele olhou Gerard dos pés à cabeça e lançou uma expressão de censura.

- E quem é este aí? - perguntou.

- Ahn... - o desconhecido parecia esperar que o outro respondesse a pergunta.

- Gerard. - ele se apresentou. - Meu nome é Gerard Way.

- Bom, Gerard Way, eu não sei há quanto tempo você e o Frank se conhecem, mas eu sinceramente não me importo e tudo que eu preciso agora é de um copo de uma boa bebida. - ele encarava diretamente nos olhos de Gerard, que permanecia sem entender o que era tudo aquilo. - Frank, faça o que você quiser. Eu cansei de te dar conselhos.

O homem suspirou e saiu, subindo as escadas que levavam para um andar privativo.

- Não ligue para ele, ele é rabugento por ter esquecido das glórias de ter lutado há alguns anos. - o estranho falou. - A propósito, como você deve ter deduzido, eu sou o Frank. Frank Anthony Thomas Iero Jr., se formos ser extremamente detalhistas. E você é Gerard Way?

- Sim. - ele disse, sem jeito, mas procurando uma forma de não parecer tão grosseiro. - Gerard Arthur Way.

- Sinto muito por não ter explicado o que estava acontecendo antes. Eu simplesmente te vi atirado no chão na manifestação e precisei fazer alguma coisa. Eu te reconheci, acho que nos vimos na sexta-feira, se eu estou certo.

- Sim, nós nos vimos. - Gerard confirmou, e se sentiu incrivelmente feliz por ter encontrado aquele garoto. Mikey tinha razão mais uma vez. - E você não precisa se preocupar, é sério. Eu devo te agradecer, se não fosse por causa sua, eu provavelmente teria me machucado gravemente. Então, acho que você foi o meu salvador.

O garoto chamado Frank sorriu. Só nesse momento que Gerard prestou mais atenção em seu rosto e viu que seus olhos eram de uma cor diferente e bonita, seus traços eram ainda mais bem desenhados e sua boca tinha uma cor naturalmente vívida.

- Acho que você não está mais tão senhor Certinho agora. - Iero brincou, e Way demorou para perceber que ele se referia ao terno que tinha usado para ir na aula daquele dia. Ainda que ele fosse totalmente marrom, marcas de sapatos eram vistas e a sujeira estava óbvia, ainda mais na gravata por baixo da cor vermelha.

- E quem disse que eu fui um senhor Certinho algum dia? - ele entrou no jogo.

- Não sei, estou tentando criar uma forma de te conhecer. - Frank disse. - O que te atraiu para os protestos nos dois dias? Rebeldia ou apenas falta do que fazer?

- Rebeldia se encaixa mais no que eu buscava. - ele contou. - Se você considerar ela como uma forma de buscar justiça.

Frank sorriu.

- Eu considero. É pelo mesmo motivo que eu estava também. Então, você é universitário, huh? Acho que nunca te vi no lugar onde estudo.

- Eu sou, mas também nunca te vi. Não deve ser a mesma universidade. - Gerard concluiu.

- Qual curso você faz? - Frank falou, tirando um suéter azul escuro que cobria uma camisa de manga longa e o jogando para o balcão de bebidas do bar.

- Artes. Artes visuais. - ele disse. - E você?

- Música. Até que não estamos em áreas tão distantes. Eu admiro muito quem quer se tornar um artista.

- Por quê? - Gerard indagou.

- É a melhor forma de expressão que alguém pode ter. Retrata tudo o que sentimos e não existe protesto maior que aqueles feitos através da arte. - ele passou as mãos pelo rosto.

- Eu penso exatamente assim. - Way se surpreendeu. - Quero dizer, é a minha vocação, mas é incrível ver que você praticamente leu minha mente.

- Eu não poderia considerar uma carreira, como você, porque não tenho nenhuma noção de desenho ou capacidade manual para isso. - ele riu. - Mas a música também é uma arte, e é nela que eu vou bem.

- Quais instrumentos você toca? - Gerard perguntou.

- Eu canto um pouco, mas tenho um foco para cordas, como baixo e violão. Minha maior paixão é a guitarra.

Gerard se ajustou no banco que estava e passou brevemente a mão no rosto.

- Então, você é um fã de rock and roll.

Frank deu uma risada baixinho.

- Você pode dizer que sim. - concordou.

Ele foi até a janela coberta pela persiana e abriu uma fresta com os dedos para espiar por ela.

- As coisas ainda estão agitadas, mas, quando as pessoas saírem da rua, já é seguro você ir. Não precisa ficar preso comigo o dia inteiro. - Frank brincou, mas parecia levemente inseguro que o outro pensasse isso dele.

- Você acreditaria que, depois de ponderar por horas como seria conversar com você quando te vi na multidão, eu simplesmente sairia correndo? - Gerard disse, e o outro se sentiu melhor.

Era incrível a sensação de saber que o recém conhecido havia ponderado sobre ele por horas, porque Frank tinha feito o mesmo.

- Mas, só por garantia... - Gerard continuou. - Você tem um papel? E uma caneta, por favor.

Frank ficou confuso sobre o que ele queria, mas buscou rapidamente o que pedira e entregou para ele. Way se acomodou em uma das cadeiras e anotou números no papel, apoiado no balcão do bar. Segundos depois, devolveu o papel ao que o esperava.

- Fique com o telefone da minha casa. - explicou. - Então, você pode falar comigo e poderemos nos conhecer mais em um momento... Não tão tumultuado. Ah, e, quando você me ligar, talvez seja Mikey que atenda. Ele é o irmão.

Iero abriu um sorriso e olhou para os números.

- Tudo bem. - foi só o que disse.

Os dois continuaram no estabelecimento conversando por quase mais meia hora. Eles descobriram a idade de cada um e Gerard ficou surpreso ao ver que Frank era um calouro tão novo, ainda que sua diferença fosse apenas quatro anos a menos, ele não agia de forma tão tola para um garoto no começo da faculdade.

Assim que o movimento na rua diminuiu, Gerard pensou ser a hora de ir, imaginando que seu irmão não se preocupasse. Frank abriu a porta do local e ficou frente a frente do outro para se despedirem.

- Depois nós nos vemos, certo? Não se esqueça de me ligar. - Way disse.

- É claro que não esquecerei. - ele respondeu, e eles deram um aceno de despedida conforme se distanciavam.

Gerard pegaria um táxi até seu apartamento e esperaria atento pela ligação do menino que, para atender ao seu desejo, havia encontrado.

1968; frerardOnde histórias criam vida. Descubra agora