O vento penteava suave e morno os fios ruivos. Mais um dia passou.
-Não te habitues ao descapotável, em breve fará frio novamente.- brincou.
Da última vez que pus a cabeça fora da janela, Louis equiparou-me a um cão que um dia teve. Não podia nunca tomar tais palavras como uma ofensa, deixaram a boca de Louis com tanto carinho que senti apenas uma leve comichão no orgulho.
-Estás entregue Wind. - puxou o travão.
-Obrigada Mr. Tomlinson.
O Verão espreguiçou-se este ano, mandriou quase um mês, e pelos vistos, não tem vontade de ir embora. Não desgosto, apesar da minha estação preferida ser o inverno, o sol quente deixa-me feliz.
O olhar captura o céu e sorrio.
Passou um mês... até agora o melhor deste ano. Henry desapareceu, talvez não volte mais, achei que não conseguiria viver sem ele, mas estou contente por estar enganada. Sou feliz agora, só, mas feliz.
Palmilho os passeios empedrados até ao parque. Ao entrar no pequeno café, Akari acena atirando um avental.
-Olá!
-Então ruivinha que tal foi o dia hoje?
-Bom, foi bom.
Akari é a minha melhor amiga desde que me lembro, estudámos juntas em Oxford, e reencontrámo-nos aqui, neste emprego, após a rapariga voltar do país natal. É exótica, de pele pálida e olhos rasgados, sorriso encantador.
-Guardei-te um muffin de caramelo.- sussurrou, como se o gerente nos fosse ouvir.
-Obrigada Aki.- respondi no mesmo tom.
O forno apitou, e o aroma que pairava no ar denunciava croissants de chocolate.
-Queres fazer alguma coisa este fim de semana? Já não vou ao cinema há séculos!
-Gostava, mas não vai dar... - agarrou uma tenaz - os meus avós chegam hoje do Japão para celebrar o aniversário do meu pai.
-Ah... aproveita então.- pisquei o olho.
-Sabes que os adoro... mas são tão chatos às vezes. Não estão habituados à cultura britânica, por isso reclamam por tudo e por nada.
-Aposto que são amorosos.
-Mais ou menos. - fez uma careta.
Passava pouco da meia noite quando fechei o pequeno café e comecei a caminhar para casa.
É um pouco cansativo, trabalhar tantas horas por dia, mas é necessário. Com um salário a menos, o dinheiro escasseia para cobrir a renda, as dívidas do meu pai e todas a necessidades básicas. Esta foi a minha solução.
Finalmente chego a casa.
A mão afunda-se na mala na busca rotineira das chaves, que não foram sequer precisas: a porta está aberta.
Estou a ser assaltada?
Instantaneamente entro em casa, discando o número da polícia no telemóvel.
-Está aí alguém?
A luz da sala estava acesa, mas foi da cozinha que apareceu um ruído. Estilhaços, cada vez mais perto. Conseguia ouvi-los rastejar na minha direção.
Da penumbra, no corredor que liga as divisões, ergueu-se uma figura disforme, alta e corcunda.
-Olá querida, tão tarde em casa?
Reconheci de imediato a voz.
- O que fazes aqui? - o coração saltou uma batida e correu para longe de mim. Os tremores foram imediatos e o medo abraçou-me com força.
-Ora, há muito tempo que aqui vivo.
Com estas últimas palavras deixou o olhar vaguear, pareceu distante. Distraído.
Não dei sequer tempo ao cérebro para pensar no que fosse, alcancei a porta e premi o botão verde, iniciando a chamada para o número de emergência. O derrapar das habituais botas grossas foi instantâneo. Corri o mais que pude, gritei por ajuda, bati à porta do vizinho de baixo que consegui alcançar, mas Henry era rápido e forte, literalmente o dobro de mim.
A grande mão cobriu-me a boca e chocou a cabeça contra a porta de madeira.
Quando dei por isso, as paredes de minha casa, rodeavam-me.
-Estiveste quase Wind, mas para a próxima, bate à porta de um vizinho que não esteja morto.
E foi aí que me lembrei do funeral da senhora Garret, no início do Verão. Engoli em seco e respirei fundo pelo menos três vezes. Tenho de ter calma.
-O que queres de mim?!
-Pareceu-me óbvio. - fez uma cara confusa - Quero pedir desculpa...
-O quê?
-Sim. Quero começar de novo, limpar o passado, e pôr os olhos no futuro.
O loiro continua o seu discurso tocante enquanto eu fazia os possíveis para arranjar maneira de sair daqui, sem ser obviamente dentro de um saco para cadáveres de um médico legista.
Talvez consiga chegar à porta enquanto ele está distraído...
Os pés correm na direção do bloco de madeira, mas foi um esforço vão. Totalmente vão.
-É essa a tua resposta?! - arrancou-me a mão da maçaneta- Depois de tudo o que disse?!
-Foi poético, mas passo. - o resultado foi um reflexo. Força desmedida projetou-me contra a parede. A moldura dourada com uma fotografia nossa, estilhaçou-se no chão com o impacto, aparando dolorosamente a minha queda. O uivo de dor ao sentir os pedaços de vidro penetrar a minha carne, pareceu satisfazer Henry.
-Meu Deus, Wind, quanta insolência! Foi o teu chefe que te ensinou?
Fui reerguida pelo pescoço, Henry apenas estagnou a escalada quando os meus pés deixaram o chão. Sentia dor. O ar lutava em alcançar o meu interior, mas o aperto era cada vez maior.
Uma outra mão livre, ergueu-se à retaguarda e num golpe impiedoso encontrou-me.
Caí novamente ao chão, mais miserável que antes, um zumbido apitava sem parar e tudo estava abafado.
Vou vomitar.
Emergiu - da falta de ar - uma tosse compulsiva que se agravou com as pancadas que começaram a atacar tudo o que conseguiam.
-Henry, pára! - implorei. Mas não me ouviu, nunca ouve.
Chorei, supliquei por misericórdia, mas as minhas palavras, não passavam de fantasmas, que nem tampouco o amedrontavam.
A dor atingia partes de mim, que nunca notei e isso assustou-me. Algo estava seriamente errado.
A garganta rouca desistiu de mim, cavou a própria cova e era agora um túmulo. Traidora.
-Se eu não te posso ter, ninguém terá! - cuspiu numa gargalhada maníaca.
A morte é inevitável. Nunca pensei morrer assim, às mãos de algo tão estúpido...
-Wind? Wind?!
Estarei a ouvir vozes?
Henry de súbito parou. Mais algumas coisas foram destruídas. Ouvi o sofá arrastar e a mesa tombar.
Depois, nada.
Assustadoramente silencioso. Tenho os olhos inchados pelos hematomas, não os consigo abrir.
-Meu Deus Wind! - voltou a soar distante.
Quem és? Soas familiar...
-A ajuda vem a caminho, por favor não morras.
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Not about business
Genç Kurgu-Foi tudo mentira. - concluí chocada. -Não Wind, espera! -Porque querias que trabalhasse para ti?! Sacrificaste a minha vida por isso?! - prometi a mim mesma não derramar uma lágrima quando o confrontasse... ao que parece menti. Dos olhos brotavam r...