16° Capítulo

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Citação: O que você tem sentido, faz sentido?

Luna

Quando o táxi parou na entrada da Rocinha, um misto de emoções me ocorreu. Eu olhava aquele lugar e aos poucos ia me dando conta da falta que sentia de estar em casa. Meu peito se enchia de medo ao lembrar o que me esperava la dentro. Vejo aqueles homens armados logo na entrada, garantindo que nenhum inimigo entre ali. Eu não era uma inimiga, era?

E como um passe de magica, eu me lembrei das palavras duras do meu pai. Eu provavelmente era uma inimiga agora, mas para quantos deles? Quem ali sabia o que eu tinha feito para viver um amor que jurava ser o mais verdadeiro e eterno possível? Respiro fundo, pego meu celular e penso em ligar para minha mãe, mas não considero essa como a melhor opção. O taxista me avisa que precisa ir e me pergunta o que vou fazer.

- O senhor pode me ajudar com a mala? Eu vou ficar aqui mesmo - eu não tinha certeza se estava fazendo a coisa certa, mas precisava arriscar. O homem assentiu e saiu do carro rumo ao porta-malas. Eu respirei fundo mais vez e fiz o mesmo. Ele colocou minha mala no chão e notei seus olhos encararem assustados alguma movimentação atrás de mim. Curiosa, eu me virei para olhar. Os homens da contenção me olhavam fixamente e um deles tinha o rádio de comunicação próximo a boca. Eles sabiam quem eu era e agora meu pai já deve saber que estou aqui. 

O medo me abraçou de novo. O que estava por vir? Eu tinha medo da reação das pessoas, tinha medo de perder o amor dos meus pais e da minha família. 

- Moça, a corrida deu 37 reais - a voz do taxista me traz de volta a realidade. Pego duas notas de vinte reais que estavam na capinha do celular e entrego a ele.

- Pode ficar com o troco - ele agradece com um sorriso, entra no carro e acelera para longe dali.

Olho mais uma vez para os homens a minha frente e eles ainda me encaram. Junto tudo o que resta da minha coragem, pego minha mala e caminho até a entrada. Os homens que estavam ali não me barraram, mas também não vieram me ajudar como seria de praxe. A cada passo que eu dava em direção a minha casa, um pensamento diferente me dizia que talvez eu não estivesse pronta para estar ali de novo. Eu não sabia ao certo se era um aviso ou só mais uma paranoia minha. As pessoas me olhavam e sorriam, bom, pelo visto não sabiam o que eu tinha feito. 

Quando eu virei a esquina e entrei na rua onde a minha família mora, um arrepio tomou meu corpo. O carro do meu pai estava estacionado em frente a nossa casa. A rua era de um silêncio absurdo ou o meu medo me impedia de ouvir qualquer coisa que fosse me fazer voltar a trás. Não consegui ver ninguém na casa dos meus tios, nem sequer os meus amigos estavam por ali. Aquilo era muito estranho, na verdade, estar de volta depois de ter fugido era estranho. 

Parei na rua, bem em frente a minha casa. Não havia mudado nadinha. Olhei uma ultima vez em volta e nada. Respirei fundo, talvez pela ultima vez e passei pelo portão que estava aberto. Eles estavam me esperando. Preferi não entrar pela posta da frente, entendo que não tenho mais esse direito. Dei a volta no quintal e parei na porta da cozinha. Mari, nossa empregada, me viu ali e ameaçou dizer algo, mas fui mais rápida ao pedir silêncio em um sussurro. Seu sorriso era largo e eu via lagrimas em seus olhos. Meu coração ficou pequeninho com aquilo. Se ela estava assim, imagina a minha mãe? Mari me abraçou apertado e disse baixinho em meu ouvido que meus pais me esperavam na sala, estremeci. Deixei todas as minhas coisas ali, juntei a coragem que me restava e caminhei até a sala. 

Meu pai foi o primeiro a me ver, estava sentado na poltrona que fica de costas para porta. Minha mãe tinha os braços cruzados e estava sentada no apoio do sofá bem em frente a porta principal. Ela anciava minha volta, ao que tudo indica, diferentemente do meu pai e essa constatação me quebrou antes mesmo de dizermos algo. Ninguém dizia nada. Meu pai tinha um olhar duro em cima de mim, mas ao mesmo tempo me analisava de cima a baixo, talvez para ter a certeza de que eu estava bem e estava, finalmente, em casa. Ele fez um sinal discreto com a cabeça, apontando para minha mãe e eu entendi o que ele estava querendo dizer.

- Mãe? - minha voz saiu mais baixa do que eu gostaria e automaticamente as lagrimas subiram aos meus olhos. Minha mãe virou rápido assim que ouviu minha voz. Ela chorava e sorriu quando teve a certeza que era eu ali. Seus passos foram rápidos e diretos até eu sentir seus braços ao redor do meu corpo. Ali eu desabei. Apertei minha mãe no abraço o mais forte que pude e chorei como quando ainda era uma criança. Quanta falta aquele abraço havia me feito.

- Eu achei que nunca mais ia conseguir te abraçar assim, meu amor - ela chorava, me apertava e olhava cada cantinho meu.

- Eu estou bem mãe - fiz ela parar de olhar meu corpo e olhar somete em meus olhos, queria que ela visse o tamanho do meu arrependimento - Me perdoa?

- Claro que sim, Luna. Você é minha única filha, desde que você nasceu, toda minha vida gira em torno da sua. Eu quero que grave uma coisa - segurou meu rosto com as duas mãos - Eu amo você e nunca nessa vida ficaria contra a sua vontade, eu só te peço por favor, não faz mais isso com a sua mãe, eu quase morri longe de você

- Eu não vou mais ficar longe de você, mãe. Eu prometo, tá? - ela sorriu, assentiu e me abraçou de novo. Fomos interrompidas com um pigarreio do meu pai. Minha mãe me soltou e parou ao meu lado, segurando minha mão. 

- Pai, eu sei que esta com raiva de mim, acredite, eu também estou. Você me alertou sobre o que aconteceria e eu não quis te ouvir, me desculpa - minha voz estava embargada - Eu não vou dizer que tudo deu errado nesse tempo que estive fora, porque seria incoerente da minha parte. Muita coisa deu certo e eu consegui ficar feliz em alguns momentos. Eu também não posso dizer que não me arrependo, porque eu me arrependo, não de ter seguido o meu coração, mas te abandonado vocês sem ter a certeza do que me esperava lá fora. Vocês são a minha família e nada e nem ninguém vale a dor que é não ter vocês por perto. Eu voltei porque a Rocinha é a minha casa, aqui é o único lugar no mundo que eu me sinto em paz e eu estou disposta a fazer o que for para tudo voltar a ser como era antes - ele me encarava indecifrável. Os cotovelos apoiadas nos joelhos e a boca semi-cerrada eram sinais de que ele lutava internamente contra si mesmo. 

- Eu nunca sentiria raiva de você. Você e a sua mãe são tudo o que eu tenho de mais sagrado nessa vida. Eu te alertei porque sabia exatamente onde tudo isso ia dar. Você não me ouviu porque é teimosa, igualzinha a mim. Eu, sinceramente, não quero falar sobre o tempo em que você esteve fora, não foram bons dias nem para mim nem para sua mãe. Eu só quero que você tenha aprendido a lição, Luna. A Bia e eu somos os seus pais e só queremos o seu bem. Você é nossa única filha e tudo perderia o sentido se você não existisse. Toda a minha luta é para que você tenha a vida mais normal possível dentro do tráfico. Então por favor minha filha, não deixa eu pensar que tudo esta sendo feito em vão

- Nada esta sendo feito em vão, papai. Até os nossos erros tem sido importantes até aqui. Eu nunca mais vou decepcioná-lo, prometo - ele levantou e veio até mim.

- Você nunca me decepciona, pimentinha - sorrimos quando ele usou meu apelido de infância - Todos nós erramos um dia e eu não estou decepcionado, estou é aliviado que você finalmente voltou para casa, a sua casa - e então nós nos abraçamos. Primeiro papai e eu e logo depois a mamãe entrou no nosso meio.

- Eu amo vocês - digo sorrindo, mas sem soltá-los 

- Nós também te amamos, pimenta - papai beija minha testa e depois a da mamãe

Era isso que mais me fazia falta, o carinho dos meus pais. Agora nada me tiraria de perto deles, nunca mais!

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⏰ Última atualização: Sep 03, 2018 ⏰

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