14° capítulo

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Luna

5 meses, esse é o tempo em que eu deixei para trás a minha família para viver ao lado do cara que eu pensei que seria o amor da minha vida.

Aqui em Belo Horizonte não tem sido nada fácil nos últimos dois meses. A favela em que estamos morando foi invadida três vezes nesse pequeno período. Pedro e eu estávamos brigando constantemente por motivos bem desnecessários. A cada dia que passa eu sinto mais falta da minha casa, da minha família e dos meus amigos. Eu não tenho nada disso aqui. Moro de favor na casa de um amigo do Pedro. Não tenho uma família comigo porque o Pedro quase nunca para em casa e quando para a gente acaba brigando. E em cinco meses eu não fiz amigos por aqui. Não gosto muito de sair sozinha em um lugar que eu não conheço, passo o dia inteiro em casa, as vezes eu vou para o baile junto com o Pedro, mas eu mal abro minha boca.

A verdade é que eu já estava cansada de tudo isso. Eu fiz 16 anos semana passada e não pude abraçar as pessoas mais importantes da minha vida. Desde aquela vez que eu liguei para minha mãe, eu nunca mais fiz contato com qualquer pessoa de lá. Pedro e eu brigamos muito por eu ter ligado e eu preferi não arrumar mais problema por conta disso. Eu não tinha nenhuma notícia, não sabia se todos estavam bem, se meus pais ainda esperavam a minha volta.

Estava terminando de por a mesa quando ouvi a porta bater e minutos depois Pedro entrar na cozinha.
- Oi - ele falou indo até a geladeira
- Oi - respondi seca e fui até o armário pegar os pratos
Me servi em silêncio e comecei a comer. Pedro também se serviu, sentou na minha frente e começou a comer. Quando eu terminei, lavei meu prato, sequei minhas mãos e fui para o quarto. Tinha algumas roupas em cima da cama para eu dobrar, respirei fundo e comecei a dobrar. Não era muita coisa então eu terminei rápido. Quando estava na última peça Pedro entrou no quarto e sentou na cama. Separei o que era dele e o que era meu e comecei guardar. Pedro olhava cada movimento meu, chegava ser estranho.
- O que foi? - perguntei quando acabei
- Eu que te pergunto - passou as mãos pelo rosto - Que que tu tem?
- Eu não tenho nada - cruzei os braços
- Meu, eu não sou idiota, tô ligado que tem alguma coisa errada com tu
- Já disse que não tem nada - ia saindo quarto
- Volta aqui Luna - ele disse firme e eu me virei para ele o encarando - Cara, aqui nós só temos um ao outro, se tu não me falar o que tá acontecendo eu não vou poder te ajudar
- Quem disse que eu preciso de ajuda? - dei de ombros

- Não precisa dizer Luna, eu sei que precisa - passou a mão pelo cabelo e voltou a me olhar - Tem dias já que você tá estranha, tá brigando comigo por coisa boba, tá mais quieta que o normal - ele pausou - Tu pode não perceber, mas eu percebo que tu tá se afastando de mim, tá cada vez mais seca comigo. Eu gosto de tu de verdade e toda essa situação tá chata para nós dois, se tu não começar a se abrir comigo, vai acabar morrendo engasgada com toda essa merda que você fingi não sentir
- Eu só tô cansada - soltei a respiração e sentei na cama de costas para ele
- Cansada de mim? - ele perguntou receoso e eu respirei fundo
- Não, você sabe que não - apoiei os cotovelos em minha perna - Tô cansada desse joguinho que a gente inventou. Eu não aguento mais ficar sem ter notícias da minha família. Eu sinto uma falta absurda deles. Ultimamente eu tenho me sentido vazia, como se tivesse faltando alguma coisa e eu sei que tá faltando, eles estão faltando. Eu não sei por quanto tempo mais vou conseguir suportar isso tudo

Ele levantou da cama e andou pelo quarto, talvez digerindo tudo que eu havia dito. Pedro parou perto da porta, quase de frente para mim. Eu não o olhava, mas sentia seus olhos sobre mim.
- Eu gosto para caralho de tu, mas não é minha intenção te manter presa aqui. O lance era a gente fugir para poder ficar de boa, não era? A gente se gostava e tinha o mundo contra nosso sentimento, eu arrumei tudo para gente dar o pé e ser feliz sozinhos, só eu e tu - ele parou e ouvi sua respiração pesada - Mas isso não depende só de mim, se tu não tá feliz aqui, eu não posso fazer mais nada, eu dou o meu melhor para ti todos os dias, se tu não acha suficiente para suprir a falta que a tua família faz - fez uma pausa - Então acho melhor tu voltar para eles. Eu quero ver você feliz, seja com quem for. Eu também sinto falta da minha família, ela não é a melhor do mundo, mas é a minha família, mas eu tava de boa porque quando a gente tava junto eu me sentia em paz, me sentia em casa. Se tu não se sente assim então volta, não quero ver tu chorando pelos cantos. Prefiro ver tu sorrindo longe de mim do que chorando por perto

Ele veio até mim, beijou meu cabelo e saiu. Eu ainda processava nossa conversa em minha cabeça. Cerca de meia hora depois que ele saiu ouvi buzinarem no portão. Fui atender e era um vapor da boca. Abri o portão e fui até ele
- PH mandou eu te entregar isso aqui - me entregou um envelope
- Obrigada - sorri simpática porém confusa
Fechei o portão e voltei para dentro de casa. Me sentei no sofá e abri o envelope. Dentro tinha quinhentos reais e um bilhete escrito a mão.

Esse dinheiro é pra tu conseguir ir embora. Eu não queria que fosse assim, mas vai ser melhor pra tu. Vai em paz e boa viagem

Não tinha nem um "eu te amo" ou um "se cuida". Então é isso, eu nadei, nadei, nadei para morrer na praia. Limpo as lágrimas que estavam caindo e vou para o quarto. Pego minha mala, coloco todas as minhas coisas lá dentro e fecho-a. Tiro minha aliança e deixo em cima da cômoda, ao lado do perfume dele. Dou uma última olhada no quarto e saio dali fechando a porta. Passo meus olhos pela casa e seguro as lágrimas que querem cair. Eu preciso ser forte ao menos uma vez na vida. Tranco a casa e arrasto minha mala até a entrada do morro. Já lá em baixo, peço para um vapor entregar a chave e o celular para o PH, eu não queria levar nada que ele havia me dado. Quanto menos coisas eu tiver dele, mais fácil vai ser daqui para frente. Já basta as lembranças que nunca irão me abandonar. Chamo um táxi e ele não demora a chegar. O senhor coloca minha mala no porta malas do carro e antes de eu entrar, olho para o morro uma última vez. Respiro fundo e entro no veículo. Logo o senhor também entra, olho pela janela e meus olhos vão direto ao encontro dos olhos dele. Sentado em sua moto, Pedro estava no canto da rua principal que dava acesso ao morro da Grota. Seu semblante estava neutro. Eu sorri fraco e deixei as lágrimas caírem. O taxista deu partida e eu o perdi de vista.

Eu também não queria que fosse assim!

Tudo Aconteceu Na Rocinha - Vol.IIOnde histórias criam vida. Descubra agora