A torre de Midrakus

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Primeiro memorial

A torre de Midrakus

"...uma mistura de ótimas experiências aliadas às coisas mais estranhas que já me aconteceram..."

Passei algum tempo longe de batalhas e sofrimentos, confortavelmente instalado no refúgio de Midrakus. Ao chegar a sua torre, senti algo muito diferente, como se estivesse mais leve. O ar parecia impregnado com fragrâncias sutis que provocavam um ardor gelado que começava nas narinas e seguia até meu peito. Segui por corredores muito limpos, cercados de paredes e chão brancos e polidos, quase nenhuma ornamentação. Nada de pinturas, móveis e tapetes. A iluminação do interior era intrigante. Não havia velas, candelabros, tochas, janelas, porém, tudo parecia perfeitamente iluminado.

Meu quarto era muito claro e de simples decoração. Havia uma cama confortável, mesa de madeira clara e lustrosa que mostrava imagens espelhadas de jarras de água, bacias e toalhas sobre sua superfície. Uma cadeira que combinava com a mesa e uma poltrona vermelha que parecia bastante confortável. Ao lado da cama, um criado da mesma madeira com três pilhas de livros perfeitamente alinhados.

Adiante, uma escada de três degraus levava a um tablado de madeira no qual uma banheira enorme, cheia de água quente, me esperava. Antes do banho, resolvi abrir janela por curiosidade. A luz que penetrou foi tão intensa que incomodava. Custei a me acostumar e observei que abaixo havia um extenso jardim, com centenas de espécies de árvores, arbustos, cipós, samambaias, plantas de folhas avermelhadas, brancas, azuis, púrpuras, amarelas e centenas de tonalidades de verde. Tudo isso era arranjado e agrupado em padrões geométricos de extrema beleza. Em um lago, grandes pássaros de bico laranja nadavam tranqüilamente. Sentia-me muito bem. Tão bem que pouco me importava se a Balcatemi não estivesse comigo. Ajudantes de Midrakus a levaram e me conduziram até aquele local cheio de paz do outro lado do portal. De certo, não estava em uma morada natural. A próxima coisa de que me lembro foi de ter dormido longamente. Na realidade, entrei num longo estado de hibernação sem sonhos.

Quando acordei, sentia uma intensa sensação de fome. Ao sair de meu quarto, percebi que vestia confortáveis roupas brancas feitas de pele, finamente costuradas e adaptadas às minhas medidas com precisão. Fui guiado por um maravilhoso cheiro de comida que percorria os corredores alvos até chegar ao refeitório. Lá uma coleção de criaturas estranhas jantava ao redor de uma mesa oval, e nesta, o mais espetacular banquete que vi e do qual comi em toda minha vida. Um homem azul de olhos mínimos e negros, como abotoadoras, sorriu para mim. Do outro lado, um símio com fartos pelos alaranjados, que me lembraram as barbas de Helmut, esticava os enormes beiços para tomar sopa com uma enorme colher prateada. Seus olhos eram simpáticos aumentados por um estranho utensílio de vidro preso ao seu nariz e com hastes que se apoiavam nas orelhas. Aquilo parecia um sonho. O que eu teria bebido? A fome não me deixou pensar muito. Uma senhora, com o rosto de um cão, extremamente feia, enrugada e mal encarada, vestida com aventais e luvas, trouxe uma bandeja cheia de comida esquisita e me perguntou com um horrível sotaque élfico – É de seu agrado, senhor Quill?

– Claro! Mas o que é?

– Comida taiwanesa vegetariana.

Com a fome que me tomava, suponho que se ela me tivesse me oferecido lavagem para porcos eu teria achado ótimo. Tomei um assento e passei a comer aquela deliciosa refeição. Nunca descobri o que era aquilo, mas foi uma experiência maravilhosa.

O símio alaranjado disse, num perfeito élfico falado à moda da corte de Nelfária – Midrakus tem uma das melhores cozinheiras do universo. Como costumam dizer: ela tem um focinho de ouro.

Fiquei chocado e sem conseguir responder.

O macaco insistiu – Você vem de Nelfária, não é mesmo? Ou teria me enganado?

Quill - O Exterminador de DemôniosOnde histórias criam vida. Descubra agora