Terrível Segredo

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Terceiro memorial

Terrível Segredo

"...quando descobri que não estava sozinho em minha difícil missão..."

Após o grande incêndio que arrasou a cidade humana, segui para o norte, muito perturbado. Esgueirei-me entre locais cheios de demônios até alcançar um desfiladeiro inóspito e rochoso. Poucos dias de caminhada no local me deixaram sem comida e água e quase sem esperanças. Parecia que depois de tantas batalhas impossíveis, morreria de fome e de sede.

Foi quando a Balcatemi tremeu. Ao tomá-la nas mãos, foi difícil controlá-la. Ela escapou-me voando até fincar-se contra o paredão rochoso que subia até além das nuvens que cobriam o topo do despenhadeiro. Observei outros dois pontos luminosos surgirem abaixo, equidistantes formando um grande triângulo. E lá estavam, nas outras arestas o Brilho Escarlate e o Machado da Lava. O paredão rochoso deu lugar a um espelho d'água revolta: um portal. Atravessaram quatro figuras.

Por um instante achei que meus olhos me enganavam. Vi o cajado de Shasticara. Trouxe memórias dolorosas de sua morte e de outras tantas. Estava sem forças e prestes a desmaiar e minha visão parecia querer fugir.

– Beba Quill – disse uma voz amistosa. Em seguida, recebi comida. A noite veio e sentamos ao redor de uma fogueira. Estava ansioso por respostas.

– Midrakus nos enviou – disse o elfo de estatura avantajada que agora carregava o cajado que pertencera a Shasticara.

– Viemos auxiliá-lo na luta contra Vormostat – disse um deles com uma voz horrenda. Soube que não era um elfo, tão pouco humano. Removeu o capuz revelando sua identidade. Era um demônio e reagi, levantando-me de sobressalto.

– Mardihk? – encarei o demônio.

– Sim elfo, meu mestre está ciente da ameaça de Vormostat. Portanto aqui estou, para colaborar... – esboçou um sorriso sarcástico e então se riu – He, He. He, He.

– De jeito nenhum! Não vou lutar ao lado deste imundo!

– Imundo, você diz? – retrucou Mardihk – poderia dizer coisas bem ruins sobre alguém que massacrou uma cidade inteira, queimando seus habitantes, sendo estes contaminados, ou não! Ora vamos elfo, deixe de hipocrisia e vamos de uma vez com isso. A infestação de Vormostat apenas cresce e debater virtudes não vai acabar com o problema.

– Infelizmente ele está certo – assentiu o elfo alto.

Os demais elfos concordaram, cada qual carregava armas do Hostenoist, tais como o Machado da Lava, o Brilho Escarlate e o Martelo de Dwerdro. Entretanto, não formavam uma equipe de aparência belicosa. Eram magros e pouco musculosos.

– Vocês são feiticeiros? – indaguei.

– Sim – respondeu outro elfo encapuzado – somos os cinco carmesins. Eu sou Três.

O elfo alto disse, demonstrando orgulho – eu sou Um.

Dois, que era bastante jovem disse – renunciamos nossos nomes, passado e identidades para servir o grande Midrakus.

– Vamos Quill – chamou Cinco, que era o portador do Brilho Escarlate – abriremos um portal, pois há cidades a purificar.

– Precisamos enfraquecer Vormostat, antes de atacá-lo em seu ninho – revelou Um.

– Sabem sua localização?

– Sim, na antiga cidade humana do extremo leste conhecida como Cidade do Sol, às margens do rio Sacho.

– Já estive lá, há muitos anos.

– Ótimo, mas por hora, enfrentemos desafios menores – sugeriu Um.

Fizemos o portal, eu, Cinco e Quatro que agora conduzia o Machado que outrora fora de Helmut.


Após meses, obtivemos êxito na eliminação de focos periféricos da infestação de Vormostat. Era hora de confrontá-lo na Cidade do Sol. Esta possuía mais de um milhão de habitantes. Um dos maiores focos de resistência humana na guerra contra as hordas demoníacas. Investigamos e averiguei que talvez, mais da metade dos habitantes estavam infectos. Era uma cidade enorme e impossível de incendiar. Suas construções de pedra e a rede de canais aquíferos tornariam impraticável o alastramento de chamas. Como agir era um caso a se estudar.

Infiltrados na cidade, assistimos ao culto aos novos deuses mascarados, que atuavam como generais na guerra, demonstrando poderes sobre humanos. Sob o comando dos novos deuses, os exércitos humanos estavam fortalecidos, expulsando as hordas de Vetzla da região. Mais da metade da população estava infectada e sentimo-nos impotentes para combater o avanço de Vormostat.

Foi fácil compreender o porquê da cooperação dos demônios com nossa causa. Descobrimos que não éramos os únicos a saber da infecção. Antigos generais e sacerdotes ligados ao templo do fogo, banido no novo governo da Cidade do Sol, haviam descoberto a existência do novo demônio, sobre o qual pouco se sabia. Porém, sabiam que possuía as pessoas aos poucos e que estas se tornavam pirofóbicas. Aliamos-nos a estes, combatendo o avanço de Vormostat. Na realidade, tudo que conseguíamos era diminuir seu avanço, mas nunca detê-lo.

Os anos se passavam, e a luta contra Vormostat parecia inútil. Nosso principal foco, era evitar que embarcações contaminadas deixassem o lugar. Não podíamos deixar que a infecção se alastrasse. Queimávamos navios e mais navios. Lendas sobre piratas élficos que surgiam no convés de navios, pilhavam-nos e destruía-os cresceram. Prêmios haviam sido postos sob nossas cabeças, mas assim como chegávamos inesperadamente, conseguíamos fugir, graças aos portais das três armas do fogo.

Em certa ocasião, capturamos para interrogar uma mulher portadora de infecção extensa. Levamos a criatura até uma região erma e desértica. Amarramos a mulher a um toco e coloquei um circulo de chamas ao seu redor. Ela gritava em desespero, a princípio. Depois, sua boca cresceu e dela vermes surgiram. Sua voz, agora alterada, zombava de nós. Estava possuída pela consciência de Vormostat.

– Há há há, seus imbecis! Não há como nos deter!

– Monstro! – retruquei – não nos subestime! Iremos destruí-lo.

– Há há há, regozijamo-nos com tal inocência. Assimilaremos vocês, cedo ou tarde. Este mundo já é nosso, há há há. Nosso, nosso, nosso!

– Veremos – incendiei o corpo da mulher infectada. A pobre criatura retorceu e implorou por sua vida assim que a consciência do monstro a abandonou.

– Será mesmo que temos uma chance? – balbuciou o jovem Dois, consternado.

– Vormostat é extremamente autoconfiante – comentou Mardihk – e esta é sua principal fraqueza, talvez a única além da vulnerabilidade ao fogo.

– Segundo relatos de Groto, o bibliotecário de Midrakus, são raros os casos de mundos tocados por Vormostat que escapam da assimilação completa.

– Maldito! – meus nervos estavam à flor da pele. Estava furioso, cansado e frustrado. – Vamos, precisamos encontrar uma maneira!

Quill - O Exterminador de DemôniosOnde histórias criam vida. Descubra agora