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A exumação por si só é a pior coisa pra se encarar. É quase surreal.

Ver aquele monte de ossos de um ente querido, seja lá a proximidade, quebrando e desmantelando, enviesando de encontro ao submundo. A morbidez característica se sobrepõe à áurea e toma a limpidez do ar num sopro irrespirável. Fica a questão da culpabilidade. 

Mas é só você. 

Ou, melhor dizendo, sou eu. Que nem morto estou, embora a morbidez de uma exumação mal feita trinque meus dentes e se enfie debaixo da carne da unha.

m.

[...]

Li na parte de dentro do delicado lírio de papel. Faz tantos anos. E, mesmo depois de tanto tempo, sinto a espinha se arrepiar como se em retrógado ao momento, um redemoinho sem escape. Um rio estreito e repetitivo.

Dói. E como dói.

Acordei dos meus pensamentos conflituosos quando uma das portas do armário bate com força. É Jae, meu melhor amigo.

ㅡ Um monte de cartas na manga sem saber quais são se prontificam na sua direção, hein?

Eu nunca entendia exatamente suas metáforas, até mesmo o literal, e não é como se qualquer outro algum pudesse, que eu saiba. Era por causa desse enigma lírico que gostávamos tanto dele.

ㅡ Acho que de prontidão? ㅡ arrisquei, enfiando o papel desdobrado de volta na mala, ainda absorto em pensamentos. ㅡ Sei lá. Nunca sei se você pergunta no sentido literal ou se há algo por trás.

ㅡ Vou deixar que pense sozinho ㅡ piscou e mostrou aquele sorriso radiante de sempre. ㅡ Mas, se você quer uma dica, existe mais de uma resposta ㅡ saiu andando para seu próximo horário.

Analisei o corredor com um incômodo esquisito no coração.

Eu queria que tivesse sido uma piada.

ㅡ H.U.R.T. day6Onde histórias criam vida. Descubra agora