Na vida, apenas uma coisa é certa: a morte.
O homem nasce, o homem morre – esse é o ciclo natural, ainda que os humanos pensem que seja um desfecho tenebroso. Para muitos, a morte é um rito de passagem; para outros, o fim definitivo da existência.
Para Hades, não passava de rotina.
A vida no Submundo era relativamente pacífica, sem grandes acontecimentos, o que tornava seus eternos dias um tanto monótonos em relação aos dos outros deuses.
Cuidar de um lugar sombrio automaticamente o caracterizava como um deus impiedoso. Não, ele nunca foi a bondade em pessoa, contudo, parte dos falatórios não passavam de fofocas de muito mal gosto.
Hades era mal compreendido, não cruel. Ironicamente, julgavam antes de conhecê-lo por ser mais recluso. Nunca gostou de chamar atenção nem fazia questão de socializar; achava perca de tempo tentar criar laços com quem não mediria esforços para apunhalá-lo pelas costas. Viver nas sombras sempre foi uma opção mais confortável.
Retornou os olhos aos inúmeros relatórios espalhados pela escrivaninha de madeira negra e atentou-se a um qualquer, entediado demais para continuar o trabalho. A princípio, achava divertido cuidar do Submundo; agora, cansativo. Nada mudou desde de sua briga com Zeus, quando foi proibido de subir a superfície. As mesmas tarefas, as mesmas comidas, a mesma rotina.
A mesma solidão.
Só podia subir se o irmão permitisse - o que não ocorria com frequência, apenas em casos de festas e, para variar, Hades nunca gostou de festas, tampouco do irmão caçula.
Respirou fundo, terminando a leitura, pronto para retirar outro relatório da imensa pilha de papéis. Assim que o fez, batidas hesitantes ecoaram pelo cômodo.
Levantou os olhos e enxergou uma alma serva que o observava pela fresta da porta.
Fez um gesto com a mão para que entrasse. A alma obedeceu e curvou-se.
— Diga.
— O mensageiro está aqui para vê-lo, senhor.
— Deixe-o entrar.
A alma se foi, curvando antes de sair.
Não demorou para que a silhueta masculina atravessasse a porta como um raio, voando sobre as sandálias aladas. Ao pousar no chão, fez uma reverência rápida. Hades não deixou de notar que, mesmo após tantos anos, seu sobrinho continuava o mesmo com o cabelo encaracolado caindo na fronte, o olhar brincalhão e a toga esbranquiçada na altura dos joelhos.
— Hades.
O rei do submundo empurrou a papelada e acomodou-se mais na poltrona.
— Que mensagem me traz, Hermes?
— Nada que vá te agradar. — ele respondeu sem se importar com as formalidade. Hades foi quem insistiu para ser tratado dessa maneira. Hermes era um dos poucos deuses a quem tinha consideração, mesmo que seus laços fossem estreitos. O mensageiro estalou o dedo e um pergaminho surgiu em frente a figura do mais velho. — Trago mensagens do Olimpo.
Hades agarrou o pergaminho, reconhecendo a caligrafia grosseira.
— Um convite? — arqueou uma sobrancelha escura, levantando o olhar do papel para o sobrinho.
— Sim. Zeus o convoca para um evento que será realizado essa noite.
— Qual o motivo?
— Precisa de um motivo?
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Florescer
RomanceApós tanto tempo sozinho, fadado a uma eternidade de trevas, Hades esperava por qualquer coisa, menos que o amor fosse florescer em seu coração. › História sobre o rapto de Perséfone.