01.

1.9K 145 86
                                    

           

Na vida, apenas uma coisa é certa: a morte.

O homem nasce, o homem morre – esse é o ciclo natural, ainda que os humanos pensem que seja um desfecho tenebroso. Para muitos, a morte é um rito de passagem; para outros, o fim definitivo da existência.

Para Hades, não passava de rotina.

A vida no Submundo era relativamente pacífica, sem grandes acontecimentos, o que tornava seus eternos dias um tanto monótonos em relação aos dos outros deuses.

Cuidar de um lugar sombrio automaticamente o caracterizava como um deus impiedoso. Não, ele nunca foi a bondade em pessoa, contudo, parte dos falatórios não passavam de fofocas de muito mal gosto.

Hades era mal compreendido, não cruel. Ironicamente, julgavam antes de conhecê-lo por ser mais recluso. Nunca gostou de chamar atenção nem fazia questão de socializar; achava perca de tempo tentar criar laços com quem não mediria esforços para apunhalá-lo pelas costas. Viver nas sombras sempre foi uma opção mais confortável.

Retornou os olhos aos inúmeros relatórios espalhados pela escrivaninha de madeira negra e atentou-se a um qualquer, entediado demais para continuar o trabalho. A princípio, achava divertido cuidar do Submundo; agora, cansativo. Nada mudou desde de sua briga com Zeus, quando foi proibido de subir a superfície. As mesmas tarefas, as mesmas comidas, a mesma rotina.

A mesma solidão.

Só podia subir se o irmão permitisse - o que não ocorria com frequência, apenas em casos de festas e, para variar, Hades nunca gostou de festas, tampouco do irmão caçula.

Respirou fundo, terminando a leitura, pronto para retirar outro relatório da imensa pilha de papéis. Assim que o fez, batidas hesitantes ecoaram pelo cômodo.

Levantou os olhos e enxergou uma alma serva que o observava pela fresta da porta.

Fez um gesto com a mão para que entrasse. A alma obedeceu e curvou-se.

— Diga.

— O mensageiro está aqui para vê-lo, senhor.

— Deixe-o entrar.

A alma se foi, curvando antes de sair.

Não demorou para que a silhueta masculina atravessasse a porta como um raio, voando sobre as sandálias aladas. Ao pousar no chão, fez uma reverência rápida. Hades não deixou de notar que, mesmo após tantos anos, seu sobrinho continuava o mesmo com o cabelo encaracolado caindo na fronte, o olhar brincalhão e a toga esbranquiçada na altura dos joelhos.

— Hades.

O rei do submundo empurrou a papelada e acomodou-se mais na poltrona. 

— Que mensagem me traz, Hermes?

— Nada que vá te agradar. — ele respondeu sem se importar com as formalidade. Hades foi quem insistiu para ser tratado dessa maneira. Hermes era um dos poucos deuses a quem tinha consideração, mesmo que seus laços fossem estreitos. O mensageiro estalou o dedo e um pergaminho surgiu em frente a figura do mais velho. — Trago mensagens do Olimpo.

Hades agarrou o pergaminho, reconhecendo a caligrafia grosseira.

— Um convite? — arqueou uma sobrancelha escura, levantando o olhar do papel para o sobrinho.

— Sim. Zeus o convoca para um evento que será realizado essa noite.

— Qual o motivo?

— Precisa de um motivo?

FlorescerOnde histórias criam vida. Descubra agora