"Não me tornei um cético. Transformei-me no pior que o ser humano pode ser: um descrente de si próprio."
Uma vida dedicada ao sacerdócio. Um encontro que mexerá com estruturas e pensamentos, até então, inflexíveis. Uma paixão que colocará a vocação...
Misericórdia!Apanho tanto que não sei se sobreviverei. E tudo por causa de uma bestagem...
O que fizeram do resto de mim... nem sei.
É fim da tarde e já estou há dois dias sem água ou comida.
O balanço do barco não me causa náusea, mas me traz o medo.
Olho o meu reflexo na claraboia... Sou um farrapo humano, não valho nada. Não há quem seja por mim. Morrerei e sequer um túmulo terei. Afundarei nas profundezas do oceano gelado e escuro. Os meus restos virarão comida para peixes.
Deixarei de existir sem ter feito qualquer coisa que valesse à pena.
Passei a vida criando um contexto de tantas ilusões e o tempo derrubou todas elas, finalizando com o que resta, aqui, no mar. Às vezes, se leva uma vida inteira para deixar de lado as ilusões, mas os meus sonhos foram arrancados um por um, por cada homem, cada monstro, cada dor.
Antes de desmaiar, vem apenas uma pergunta em minha mente: Valeu à pena ter vivido?
***
Acordo sufocada. Água fria entra pelo meu nariz e boca, o sal arde em meus olhos e ferimentos. Não consigo me mover direito, a correnteza está muito pesada e eu, sem forças. Vejo a balsa onde eu estava se afastar, ao longe. Não passa pela minha cabeça a possibilidade de alguém me encontrar. É o fim, admito para mim mesma. Estou em mar aberto e não vejo terra. Tento nadar para algum lugar, qualquer lado, mas o mar está agitado e começo a me afogar. As ondas enormes chegam. Sou jogada para debaixo d'água muitas vezes, morrerei, não tenho saída, vou bater a caçuleta. Estou sozinha como foi a vida inteira e morrerei assim, como deve estar escrito que tem que ser. Erù-Iyá! Odó-Iyá, Iemanjá! Me salve, mãe das águas! Rainha das ondas, não me abandone! Odoyá!
Não consigo gritar. A voz não sai. Não consigo mais me mover, os braços e pernas parecem endurecidos. Estou com dor e aterrorizada. Não consigo respirar. Não consigo respirar. Respira! Respira! Nossa Senhora dos Navegante, me socorra! Afundo mais rápido dessa vez. As batidas do coração que eu ouvia diretamente em meu ouvido, martelando em minha testa, não ouço mais. Bate, coração! Bate! Não me deixa morrer! Eu quero viver! De repente, sinto um aperto no peito... Não é só o meu corpo que está se afogando, a minha alma também. Sinto como se estivesse pegando fogo por dentro, sendo rasgada. Estou sufocada. Sinto uma melancolia e uma tristeza profundas.
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Segundos depois, estou em um estado surpreendente de calma e tranquilidade... Espero que exista algo do outro lado, e que Deus me permita ir para lá. "...Rogai por nós, pecadores. Agora e na hora da nossa morte. Amém."
Os meus olhos se fecham e sei que não abrirão mais.
***
Aff! Sinto dores, parece que tomei um coice no peito, tremo de frio, cuspo muita água, um líquido quente escorre do meu nariz. Sinto o movimento de balanço. Penso estar de novo na balsa, mas não é a mesma embarcação de antes. Abro novamente os olhos com muita dificuldade. Pisco. E então, sei que estou no céu. O brilho do sol terminando de tocar o mar reflete numa cruz dourada que balança na frente do meu rosto. É o céu. Cheguei aqui.