Era o corpo da minha amiga ali nos meus braços. Mas não tinha vida. Ela não havia se aninhado ali pra eu mexer no seu cabelo, nem para chorar quando estava triste e nem para ouvir nossos discos. Era só o corpo vazio da minha melhor amiga nos meus braços. Eu a abracei tentando achar calor ou sentir seu coração acelerado mas não tinha nada ali. Seu peito não fazia a batida do rock. Os olhos da minha amiga tinham se fechado e não iriam mais abrir.
Naquele ponto, depois de tantos anos de guerrilha, eu já havia perdido alguns companheiros. Ainda sonho com Raul, do qual não pude olhar uma última vez pro rosto. Mas nada se compara a minha alma anestesiada ao perder Clarice. Eu não sinto nada além das lágrimas e um buraco enorme no peito, uma dor absoluta e uma sensação constante de que vou desmaiar.
- Ananda, é melhor a gente ir, deve ter algum meganha de olho - diz Franco enquanto tira os óculos do rosto de Clarice - A gente pode tentar achar um lugar pra olhar ela de longe...
- Só mais um pouco, por favor... Você viu o juba? Ele precisa ir com a gente.
- Não dá pra levar o Júnior pro aparelho Ananda.
- Eu sei. Mas eu não posso deixar ele sozinho. Eu vou pra casa dela, fico lá com ele.
- Ficou maluca? Eles tão de bituca, já te falei!
- Eu prometi que ia cuidar dele e essa questão não esta aberta a discussão Franco. Eu trouxe um disfarce na bolsa. Aliás, pega a bandeira que esta nela por favor. Vou cobri-la. - os cabelos de Clarice caiam no rosto como quando ela dormia comigo nos fins de semana- ela ta tão machucada, meu Deus... Me desculpa Clari,-digo aos prantos- me desculpa por favor, eu não devia ter deixado você ir sozinha.
- Os dois, dêem o fora daqui, tem uma viatura vindo. Aquele cara ali é amigo do meu irmão. - disse Lara. -Faz tempo que não os vejo, bom saber que estão bem.
- A gente já tava de saída, obrigada. Nanda, 2 minutos, tempo de eu pegar o Júnior e colocar no carro- Franco beija a mão de Clarice - Adeus companheira.- e sai.
- Me ajuda por favor - peço pra Lara enquanto desdobro a bandeira sobre ela - Eu te amo Clari. Eu te amo minha amiga. Perdão. A gente vai vencer, eu prometo. Te amo -ouço o assobio de Franco - Meu Deus, isso não ta acontecendo. Eu não vou aguentar deixar ela aqui.
- Ananda vai! Eu cubro ela, eles já devem estar chegando. Boa sorte.
- Obrigada. Não deixem levarem o corpo dela por favor!
Adeus Clarice Gusmão.
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Um dia Qualquer em 1964
Short StoryUm dia Qualquer em 1964 - É a junção de cartas feitas para estudo de personagem do Musical " 1964 O Canto Calado" de Roberto Frantinelli. Franco e Ananda veem o Golpe Militar estourar no final do Ensino Médio. Com o tempo os jovens se unem ao Movime...