Conclusões do fim de uma tarde qualquer

6 1 0
                                    

Eu poderia morrer ,mas se Deus existir  então eu  não iria ao paraíso. 
E se  eu pudesse sentir a brisa da vida ,provavelmente não morreria tão cedo.
Mas ,se ele existe mesmo , então eu me sinto extremamente envergonhado.
Envergonhado por todas as coisas que eu deixei de fazer , envergonhado por viver tão pouco e morrer tão cedo.
Mas, embora eu esteja envergonhado, ainda sim não conseguiria sair da cama ou abrir as cortinas .

A realidade  me deixa nauseado  ao mesmo tempo que congela minha respiração .

Como pode um ser supremo ter que lidar com esse mundo inútil ? Afinal , se temos a vida eterna então por que precisamos viver nesta ?

Se todos sofrerem juntos nesta vida é  possível comprar um lugar no paraíso?

E, se é verdade o que dizem , se há  imortalidade da alma ,então a virtude seria algo falso?

Somos bons porque talvez  isso nos dê  uma vida eterna em um lugar onde a escuridão nunca nos aprisionará com os   nossos  pensamentos  malditos .

E isso é  uma das podres entranhas da humanidade.
Somos bons porque nós convém a ser bons .

E se nada disso existe ,então tudo é permitido ?

Podemos fazer o que nossas mentes tanto nos dizem quanto estamos ouvindo as vozes da nossa cabeça enquanto  o céu adormece ?

Talvez eu esteja com receio de ir ao paraíso se isso me for disponível .

Porque embora seja  preferível ir ao lugar onde sempre é  uma tarde de primavera do que a um lugar que  podemos sentir as armaduras que nos torturam a cada segundo , seria ruim ir para essa tarde harmoniosa.

Em outras palavras,  embora seja bom poder ir aos céus,seria horrível viver nele .

O que me faz pensar que eu mereça ir a um lugar onde a plenitude  reina?

O que me faz pensar  que vivendo uma vida qualquer e cometendo tamanhas atrocidades eu seja simplesmente perdoado , sem ao menos um castigo?

Todavia , mesmo que eu precise deixar esse lugar , eu também  precisarei deixar o lugar  que me é  destinado .

Eu sinto uma necessidade de obedecer o  meu  único  propósito ,  em deixar este lugar ,porém, ao mesmo instante,não posso permanecer em qualquer outro.

Se houvesse algo além desse jogo ,poderia eu não ir para o teu paraíso?

Não que eu não o queira,mas eu simplesmente não sou digno.

E mesmo que o inferno se torne minha única opção, por que uma vida sem impacto se encaminharia para um lugar tão intenso e com tantos  pecados?

E  mesmo que de maneira repentina as sombras me abracem, ninguém, nem mesmo um ser como eu,  deseja sofrer novamente.
No entanto,  sofrer seria  viver de novo, sentir o mesmo
ar a todo momento  e o mesmo vazio ao cair da noite.

Talvez eu queira viver,mas  ,talvez, tenha também  o medo  de viver,pois sei que as chamas não pararão de consumir minha mente.

Contudo, embora  eu queira viver,eu não posso me submeter a essa  vontade,visto que ela não se encontra em meu destino.

Viver ,mesmo sendo algo apavorante, seria algo inalcançável.

E morrer,mesmo sendo algo já vivenciado em todos esse anos ,seria algo indispensável .

Devo morrer novamente ,mas agora será a única vez que eu não  verei o amanhecer .

Se nada  disso existir, se quando eu morrer não existir nada além ,pelo  menos para mim, saberei finalmente  que , a partir daquele momento , Deus existe.

Sendo assim, ele terá a oportunidade  de consertar esse erro,mesmo que ele não erre , é  algo que fugiu  do seu controle, até porque talvez eu não tenha sido criado por nada.

Portanto  ,devo morrer, mas antes que isso se concretize  esta noite ,peço a ele que não me lembre o que eu já vivi.

Todos temos esse momento ,  mesmo que alguns cheguem ao   inferno e que sejam torturados  pelo resto de seus dias,todos tem o direito de reviver a vida pela última vez , pelos últimos segundos de consciência.

Ver tudo passar  como um curto filme, realmente peço que  isso não aconteça.

Como eu poderia ver um filme ,por menor que seja ,  sendo que ele nem foi produzido?

Talvez essa ideia me torture um pouco ,  tanto quanto  as que me fazem passar a noite em claro .

Concluo que,  mesmo sabendo que este será meu último momento,fiz o que deveria ser feito por mim, morrer.

E embora tenha demorado alguns anos parar finalmente perceber que a vida não é feita para mim, nem mesmo a eterna,por mais que essa possa também ser no inferno, eu deixo esta vida e me encontrarei para sempre na vastidão de um grande nada .

A vida não me merece ,quem dirá a morte ,porém mesmo que ela  tenha que me levar em seus braços,  será o único jeito de desfazer esse tempo  perdido .

Pedoe-me por existir, seja nesta vida ou em outra .

E quando eu me levantar desta cama e andar pelo telhado  como se estivesse  tentando alcançar algo, só então terei alcançado, ela , a tão    distante e próxima, a Morte.

A cidade dos Monstros   - Poemas parte 2Onde histórias criam vida. Descubra agora