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Se você vive perto de Nova Orleans e há suspeita de que um furacão está a caminha, é um verdadeiro inferno. Não entre as pessoas da cidade, para dizer a verdade, mas nos noticiários. Os jornais locais querem que preocupemos o máximo possível com furacões. Na minha cidade Bénouville, Louisiana (a pronúncia é Bêná-VILL; 1.600 moradores), se preparar para um furacão na maioria das vezes é motivo para comprar mais cervejas e gelo para manter as cervejas geladas quando faltar luz. Temos um vizinho que prendeu um barco a remo em cima do teto da varanda, prontinho para o dia que chegar uma enchente - mas é o Bill, que fundou a própria religião na garagem de sua própria casa, então o caso dele vai muito além de uma pequena preocupação com a segurança pessoal.

Enfim, onde eu moro é um lugar incrível, construído em cima de um pântano. Todo mundo que morar aqui concorda que foi um lugar horrível para uma cidade ser construída, mas, como ela já foi erguida, a gente vai vivendo nela. A cada cinquenta anos, tudo, menos o velho hotel, é destruído por uma enchente ou um furacão... e o mesmo bando de desocupados volta e constrói tudo novamente. Muitas gerações da família Jauregui já viveram no belo centro dessa cidade, em grande parte porque não há nenhum outro lugar que dê para morar. Eu adoro o lugar onde nasci, não me entenda mal, mas é o tipo de cidade que deixa a pessoa maluca se nunca sair, nem que seja só por um tempinho.

Meus pais foram os únicos da família a sair da cidade para cursar uma faculdade e se especializar em Direito. Se tornaram professores de uma universidade, em Nova Orleans. Já tinham decidido fazia muito tempo que seria bom para nós três passarmos um tempo fora da nossa cidade natal. Quatro anos atrás, pouco antes de eu começar o ensino médio, eles se inscreveram para um ano de aulas em uma faculdade na Inglaterra. Combinamos que eu poderia participar da decisão sobre onde eu passaria o ano durante a viagem deles - seria meu último ano na escola. Eu disse que queria viajar para Londres.

A faculdade dos meus pais era bem distante de Londres. A faculdade era no meio do país e bem para oeste, enquanto Londres é lá embaixo, no sul. Mas "bem distantes" na Inglaterra quer dizer algumas horas de trem. E Londres é LONDRES. Então eu escolhi uma escola chamada Wexford. Então nós íamos pegar o avião juntos e passar alguns dias na Inglaterra, e depois, quando começassem minhas aulas, meus pais iriam para a faculdade, onde eu iria visitar eles em tempos e tempos.

Mas então surgiu um alerta de furacão, todos estraram em pânico e o aeroporto cancelou todas as viagens. O furacão riu da cara de todo mundo, deu uma volta e por fim virou apenas uma tempestade, mas àquelas altura o nosso voo já tinha  sido cancelado, e tudo ficou uma bagunça. Depois de um tempo, o aeroporto conseguiu encontrar um assento vago em um voo para NY, de onde sairia um voo para Londres com outro assento vago. Como eu havia marcado de chegar em Wexford antes da data que meus pais tinham que está na faculdade,  aceitei a oferta e fui sozinha.

Isso não era um problema, na verdade. Era uma viagem longa: três horas até NY e duas vagando pelo aeroporto antes de pegar um voo de seis horas para Londres, de madrugada - e ainda assim eu gostava daquilo. Fiquei acordada a noite inteira assistindo à filmes da Disney e ouvindo todos os álbuns da Lana Del Rey.

Logo depois da alfândega, passei pelo shopping, onde tentaram me fazer comprar litros de perfume e quilos de cigarro. Havia um homem esperando logo depois da porta. Ele tinha o cabelo completamente branco e usava camisa polo com "Wexford" bordado no peito. Um chumaço de pelo branco escapava da camisa e a cada passo que eu dava, percebi o cheiro peculiar e picante de colônia masculina. Muita colônia.

- Michelle? - Perguntou ele.

- Lauren - corrigi. 

A Sombra da EstrelaOnde histórias criam vida. Descubra agora