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Nunca uso o nome Michelle. Era o nome da minha bisavó, e foi jogado em cima de mim como uma espécie de honra da família. Nem mesmo meus pais, me chamavam por esse nome.

- Sou o Frank. Vou levar você até Wexford. Deixa eu te ajudar com essas malas.

Eu estava levando duas malas enormes, cada uma mais pesada do que eu, e estavam marcadas com etiquetas laranja escritas PESADO. Eu precisava levar o necessário para viver por nove meses. Nove meses em um lugar totalmente frio. Por mais que eu achasse justo ter levado aquelas duas malas enormes e pesadas, não queria que ninguém que parecesse meu avô. Mas ele insistiu.

- Você um dia um pouco ruim pra chegar, sabe - fala ele, arrastando com dificuldade as malas. - Hoje de manhã tivemos uma notícia forte. Algum maluco saiu nas ruas dando um de Jack, o Estripador.

Imaginei que "dar uma de Jack, o Estripador" fosse um modo de falar que eu ainda precisava aprender. Eu tinha começado a estudar esse tipo de coisa na internet, para não ficar perdida quando as pessoas começassem a falar comigo. Mas aquela eu ainda não tinha pesquisado.

- Ah - falei. - Claro.

Ele me guiou entre a multidão de gente, tentando chegar aos elevadores que subiam para o estacionamento. Quando saímos do aeroporto, senti a primeira rajada de ar frio. O ar de Londres tinha um cheiro surpreendente limpo, talvez um pouco metálico. O céu era formado por um cinza forte. Estava incrivelmente frio para o mês de agosto, mas em todo lugar à minha volta eu via gente de bermuda e camiseta. Eu tremia mesmo de calça jeans e casaco de moletom, e xinguei meu chinelo - algum site idiota dizia que era bom usar por motivos de segurança. Ninguém mencionava que faziam os pés congelarem no avião e na Inglaterra, onde a palavra "verão" tinha um significado totalmente diferente.

Chegamos em uma van escolar, e o sr. Frank colocou as malas lá dentro. Tentei ajudar, juro, mas ele disse que não precisava. Tive quase certeza que ele ia ter um ataque cardíaco, mas sobreviveu.

- Vamos entrando - disse ele. - A porta está aberta.

Eu me lembrei de entrar com o pé direito, o que me fez com que me sentisse esperta para alguém que não dormia fazia mais de vinte e quatro horas. o sr. Frank ficou um minuto inteiro ofegante  depois que se instalou no banco do motorista. Abri minha janela para deixar escapar um pouco do cheiro da colônia dele para o mundo.

- Saiu em todos os noticiários. - ele voltou a falar. - Foi perto do Royal Hospital, bem ali - Apontou para o lado esquerdo da janela. - Jack, o Estripador, quem diria. Sabe, os turistas adoram o velho Jack. Vai causar uma agitação e tanto. Wexford no território de Jack, o Estripador.

Ele ligou o rádio. Estava em uma estação de notícias. Fiquei escutando enquanto ele dirigia.

"...Rachel Hastings, de trinta anos, era produtora de filmes e tinha um estúdio na avenida principal. As autoridades afirmam que o assassino tentou imitar o primeiro crime de Jack, o Estripador, em 1888..."

Bem, pelo menos isso explicava que "dar uma de Jack, o Estripador" não era um modo de falar.

"... o corpo encontrado na avenida Street, um pouco depois das quatro da manhã. Em 1888, a Street se chamava Buck's. A vítima de ontem à noite foi encontrada na mesma localização e posição de Mary Ann, a primeira vítima do Estripador, com ferimentos muito similares. O inspetor-chefe Simon Cole, fez uma breve declaração dizendo que, apesar de haver similaridades entre este assassinato e o de Mary Ann, ocorrido 31 de agosto de 1888, é muito cedo para afirmar que não tenha sido apenas coincidência. Vamos saber mais informações sobre o assunto com nossa correspondente Lois Carlister..."

O sr. Frank por pouco não bateu em um animal.

"... especialistas afirmam  que o Estripador, atacou em quatro datas em 1888: 31 de agosto, 8 de setembro, o 'Evento Duplo' de 30 de setembro - chamado assim porque houve dois assassinatos num espaço de tempo de menos de uma hora - e 9 de novembro. Ninguém sabe o que aconteceu com o Estripador ou por que ele parou nessa data..."

- Tá repreendido em nome de Jesus - comentou o sr. Frank enquanto dirigia - Wexford fica bem no meio do antigo território que o Jack costumava atacar. As excursões sobre o Jack passam por lá o tempo todo. Acho que a quantidade de gente vai dobrar agora.

Continuamos seguindo por uma autoestrada, até que de repente nos vimos em uma área bem populosa: casas em fileiras compridas, restaurantes indianos, lanchonetes famosas. Depois disso as ruas foram se tornando mais estreitas e mais cheias de gente - Obviamente, havíamos entrado na cidade sem que eu percebesse. Passamos pela região sul para o cruzarmos, toda Londres estendia à nossa volta.

Eu tinha visto Wexford várias vezes por fotos. Sabia a história. Lá por meados do século XIX, Londres era muito pobre. Batedores de carteiras, gente vendendo crianças em troca de um pedaço de pão, esse tipo de coisa. Wexford foi construída por uma instituição de caridade. Ela comprou toda a terra em torno de um pequeno quadrilátero e construiu um complexo inteiro. Havia um abrigo para mulheres, um abrigo para os homens e uma pequena igreja - todo o necessário para fornecer comida, abrigo e orientação espiritual. Todos os prédios eram bonitos, e alguns bancos de pedra e árvores na pequena praça tornavam a atmosfera agradável. Então encheram os prédios de homens, mulheres e crianças pobres e fizeram com que todos trabalhassem quinze horas por dia em fábricas e oficinas também construídas em torno da praça.

Em algum momento da década de 1920, alguém percebeu que isso era terrível , e os prédios  foram vendidos. Alguém  teve a brilhante ideia de que aquelas construções em estilo gótico bem que pareciam uma escola e os comprou. As oficinas viraram salas de aula. A igreja acabou virando refeitório. Os prédios eram todos de pedra marrom ou tijolos, em uma época em que se comprava terreno barato, então eram grandes, com janelas largas e pontas de torres e chaminés recortada contra o céu.

- Aquele é o prédio onde você vai ficar - disse o sr. Frank enquanto o carro seguia aos solavancos por um estreito caminho.

Em Thorne, o dormitório feminino. A palavra MULHERES estava gravada em baixo-relevo na porta, para complementar, tinha uma mulher. Era baixa, devia ter apenas um metro e meio de altura, mas era larga. Seu rosto era de um vermelho vivo e ela tinha mãos grandes, mãos que você imaginaria capazes de fazer almôndegas enormes ou então de apertar pneus até tirar todo ar. Seu cabelo era curto e completamente quadrado, e ela usava um vestido xadrez de lã. Algo nela sugeria que seus costumes incluíam lutar contra imensos animais selvagens e bater tijolos.

Quando saí da van, ela gritou "Michelle!" em uma voz tão incisiva que faria um passarinho cair morto do céu.

- Pode me chamar de Claudia - disse ela - Sou responsável por esse dormitório. Seja bem-vinda a Wexford.

- Obrigada - respondi, meus ouvidos ainda doendo por conta do grito -, mas é Lauren.

- Lauren. Claro. Tudo certo, então? Fez uma boa viagem?

- Ótima, obrigada.

Fui até a traseira da van para tentar tirar as malas antes que o sr. Frank quebrasse a coluna em três pontos diferentes tentando tirar elas. Só que chinelos e paralelepípedos não se combinam, ainda mais depois de ter chovido, quando cada parte fica cheia de água gelada. Meus pés estavam encharcados; fui escorregando e tropeçando por cima das pedras. O sr. Frank chegou antes de mim á mala do carro e começou a tirar as malas, gemendo de dor.

- O sr. Frank vai trazer as malas para dentro - disse Claudia. - Leve as malas para o quarto vinte e sete, Frank, por favor.

- Tudo bem - respondeu ele, ofegante.

A chuva começou a pingar suavemente no momento em que a Claudia abriu a porta e entrei em minha nova casa pela primeira vez.

A Sombra da EstrelaOnde histórias criam vida. Descubra agora