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Era um vestíbulo revestido com uma madeira escura e o chão feito de mosaico. Uma grande placa escrita "BEM-VINDAS DE VOLTA A WEXFORD" estava presa em cima da porta do lado de dentro. Passamos por baixo dela e entramos numa sala maior, com uma lareira apagada e inúmeras portas e entradas para outros quartos e corredores. Degraus feitos de madeira levavam ao que eu imaginava ser nossos quartos. Na parede, um enorme quadro de avisos já estava repleto de panfletos sobre testes para equipes de várias modalidades de esporte e grupos do teatro. Thorne não era um lugar quente. Meus dedos dos pés se curvaram e apertei os braços ao redor do corpo.

- Pode me chamar de Claudia - disse Claudia outra vez. - Venha por aqui, Michelle, para podermos conversar.

- Já pedi para me chamar de Lauren - Falei com um tom de voz grosso.

- Ah, desculpe - Respondeu ela rapidamente.

Seguindo-a, passei por uma porta á esquerda, entrando em um escritório. O cômodo estava pintado de um vinho bem escuro, bem acadêmico, e havia um grande tapete oriental no chão. As paredes e estantes estavam repletas de prêmios de hóquei, fotos de times de hóquei, bastões de hóquei pendurados. Alguns dos prêmios tinham o ano e o nome da escola, o que me informou que Claudia tinha um pouco mais de trinta anos. Fiquei surpresa, já que ela parecia mais velha que minha avó. Se bem que, para ser justa, vovó tinha maquiagem permanente nos olhos e comprava calça jeans no brechó. Enquanto Claudia, era evidente, não ligava em encarar os desafios do clima para ficar deixar o esporte mais violento. Eu conseguia facilmente imaginá-la correndo por um campo, gritando, com o bastão de hóquei erguido. Na verdade, eu tinha bastante certeza que era isso que eu veria nos meus sonhos á noite.

- Esse é o meu quarto - disse ela, indicando o escritório. - Moro aqui e estou disponível a todo tempo em caso de emergências, e até ás nove da noite todos os dias se você quiser apenas conversar. Agora, vamos tratar do básico. Este ano, você é a única novata estrangeira. Como já deve saber, nosso sistema aqui é diferente do que o que você tinha no seu país. Aqui, os alunos fazem uma prova chamada GCSE por volta dos dezesseis anos...

Eu sabia disso. Não tinha como eu me preparar para ir estudar ali e não saber disso. Os GCSEs são provas individuais que abordam praticamente cada matéria que você já estudou. Eles fazem entre oito e catorze desses trecos, dependendo, acho, do quanto gostam de fazer provas. Seu desempenho nos GCSEs determina onde você vai passar dois anos seguintes, porque aos dezessete e aos dezoito você pode fazer matérias específicas. Wexford era uma coisa estranha e rara: um internato para a época final do colégio - e, nesse caso, "época final do colégio" quer dizer "escola para alunos de dezessete e dezoito anos". Era pra quem não podia pagar por cinco anos numa escola particular cara, ou para quem odiava a escola em que estudava e queria morar em Londres. Os alunos só passavam dois anos estudando em Wexford, então em vez de ir para uma escola em que todo mundo se conhecia fazia séculos, em Wexford minhas novas colegas só se conheceriam havia, no máximo, um ano.

- Aqui em Wexford - prosseguiu ela - os alunos fazem quatro ou cinco matérias por ano. Estão estudando para o exame de qualificação que vão fazer no final do último ano. Você pode fazer as provas de qualificação, mas, como não precisa, podemos estabelecer um sistema de notas específico para seu caso, para enviar aos EUA. Pelo que estou vendo, você vai escolher cinco matérias: Literatura, História, Francês, História da Arte e Matemática. Aqui está seu horário.

Ela me entregou uma tabela. O horário em si não tinha aquela coisa de "dia disso", "dia daquilo" a que eu estava acostumada. Era uma grade horária louca, que cobria duas semanas, cheias de horários duplos e tempos livres.

Fiquei olhando para o folheto, sem nenhuma esperança de decorar o que eu via.

- Bem - continuou Claudia -. o café é ás sete da manhã. As aulas começam de oito e quinze, com um intervalo para almoço ás onze e meia. Ás duas e quarenta e cinco você vai ser trocar para a educação física, que é das três ás quatro, depois toma banho e vai para a aula de quatro e quinze até as cinco e quinze. O jantar acontece entre seis e sete horas da noite. Á noite você pode se dedicar aos clubes, ou a algum tipo de esporte, ou fazer trabalhos aleatórios. É claro, ainda precisamos encaixar você em algum esporte. Se me permite, lhe recomendo o hóquei. Estou treinado o time das meninas. Acho que você ia gostar.

Essa era a parte que eu tremia. Não sou boa em esportes. O lugar de onde eu venho é quente demais para correr, o que, aliás, geralmente não é encorajado. Costumamos brincar de que se você ver alguém correndo em Bénouville, pode correr na mesma direção, porque provavelmente há alguma coisa terrível acontecendo atrás. Já em Wexford, praticavam atividades físicas todos os dias. Eu podia escolher entre futebol (também conhecido como correr loucamente em um campo ao ar livre), natação (provavelmente eu iria morrer afogada), hóquei (de campo, não no gelo) e basquete. Odeio todos os esportes, mas pelo menos sei alguma coisa de basquete.

- Eu estava pensando em basquete - falei.

-Sei. Você já jogou hóquei alguma vez?

Olhei em torno, para a decoração em tema de hóquei.

-Nunca joguei. Só conheço o basquete. então seria...

- O hóquei é completamente mais divertido. Podíamos te apresentar o hóquei. Que tal fazermos isso agora mesmo, hein?

Claudia se inclinou sobre a mesa, sorriu e entrelaçou as mãos.

- Claro - eu me ouvi dizer.

Quis engolir a palavra de volta, mas Claudia já tinha agarrado uma caneta e estava rabiscando alguma coisa enquanto murmurava:

-Excelente, excelente. Vamos providenciar o equipamento para você. Ah, é claro que você vai precisar disto.

Ela pegou uma chave e um cartão de identificação pela mesa. O cartão era uma decepção, eu tinha tirado umas cinquenta fotos de mim mesma até encontrar uma boa, mas sob plástico, minha cara tinha ficado esticada e roxa. Meu cabelo parecia uma espécie de fungo.

- Este cartão é para abrir a porta principal. É só encostar no leitor. Jamais empreste a outra pessoa. Agora vamos dar uma volta.

A Sombra da EstrelaOnde histórias criam vida. Descubra agora