6.1

4 2 0
                                    

San era o sanatório – Basicamente, a enfermaria. Mas, sendo Wexford um internato, era mais do que uma simples enfermaria. Havia alguns quartos, incluindo um cheio de camas onde as pessoas muito doentes podiam ficar. A enfermeira de plantão, srta. Vanessa, me examinou. Verificou minha pulsação e verificou que eu não tinha morrido engasgada. Ela orientou a Spencer a me levar de volta ao dormitório para que eu relaxasse com uma boa xícara de chá. Já no quarto, a Camila deixou claro que dali para a frente era com ela. Spencer deu meia-volta como quem tem prática nisso. Sua cabeça balançava enquanto ela andava. Dava para ver seu coque quicando; subindo e descendo no estilo Anitta. Chutei meus sapatos para longe e me encolhi na cama. A carne assassina já havia saído há muito tempo, mas esfreguei a garganta na altura do incidente. A sensação ainda estava lá, a de não ter ar, de não conseguir falar.

– Vou fazer um pouco de chá para você – disse Camila.

Ela saiu para fazer o chá, me deixando sentada na cama, segurando meu próprio pescoço. Embora meu coração já tivesse voltado ao normal, um tremor ainda percorria meu corpo. Peguei o telefone para ligar para meus pais, mas então lágrimas começaram a escorrer dos meus olhos e enfiei o telefone de volta embaixo do cobertor. Me obriguei a levantar e inspirei profundamente algumas vezes. Eu tinha que recuperar o controle. Estava tudo bem. Não tinha acontecido nada comigo. Eu não podia ser a colega de quarto chorona, patética e inútil. Assim, quando Camila voltou, eu tinha secado as lágrimas do rosto e estava meio que sorrindo. Ela me entregou o chá, foi para sua escrivaninha, pegou alguma coisa e veio se sentar no chão perto da minha cama.

– Quando tenho uma noite ruim – falou –, eu olho meus cachorros.

Ela estendeu uma foto de dois cachorros lindos: um golden retriever razoavelmente pequeno e um labrador preto muito grande. Na foto, Camila estava apertando os cachorros. Ao fundo havia colinas onduladas e verdejantes e uma enorme e branca casa de fazenda. Parecia grande demais para que alguém de fato morasse ali.

– A golden é a Belle, e a grande e chorosa é a Wiggy. A Wiggy dorme na minha cama à noite. E ali ao fundo é a nossa casa.

– Onde você mora?

– Em um vilarejo na Cornualha, perto de St. Austell. Você precisa conhecer um dia. É muito bonito.

Fui tomando meu chá lentamente, em pequenos goles. Minha garganta doeu no começo, mas depois o calor fez bem. Estiquei o braço e peguei meu computador para mostrar a ela algumas fotos minhas. Primeiro, mostrei a prima Diane, porque eu tinha falado dos anjos pouco antes. Eu tinha uma foto muito boa dela, de pé na sala de casa, rodeada por estatuetas.

– Então é verdade – disse Camila, inclinando-se para a cama e olhando a foto mais de perto. – Deve ter centenas delas!

– Eu não minto – falei.

Mostrei-lhe uma foto do tio Nick.

– Parecido com você – comentou Camila.

E era mesmo. De todos os meus parentes, era com ele que eu mais parecia: cabelo escuro, olhos escuros, um rosto muito redondo. Só que eu sou menina, e tenho peitos e quadril um tanto vastos, e ele é um cara na faixa dos trinta, com barba. Se eu usasse uma barba preta falsa e um boné de beisebol com a inscrição BIRDMAN, acho que as pessoas reconheceriam imediatamente o nosso parentesco.

– Ele parece bem jovem.

– Ah, essa foto é antiga – falei. – Acho que foi tirada na época em que eu nasci. É a foto preferida dele, então foi a que eu trouxe.

– Essa é a preferida dele? Parece que foi tirada num supermercado.

– Está vendo a mulher meio escondida atrás da pilha de latinhas de molho? Aquela é a srta. Gina. É a gerente da Walmart local. Faz dezenove anos que o tio Nick é a fim dela. Ele gosta desta foto porque é a única em que ele aparece com ela.

– Como assim faz dezenove anos que ele é a fim dela? – perguntou Camila.

– Sabe, meu tio Nick... ele é muito legal, aliás... ele tem uma pet shop de pássaros exóticos chamada "Um pássaro na mão". A vida dele se resume basicamente a pássaros. Ele é apaixonado pela srta. Gina desde o colégio, mas não tem muito jeito para falar com garotas, então ele simplesmente... fica perto dela; desde o colégio. Ele simplesmente vai aonde ela vai.

– Isso não é perseguição?

– Legalmente, não – respondi. – Perguntei isso aos meus pais quando eu era pequena. O que ele faz é bizarro e socialmente inadequado, mas não chega a ser perseguição. Acho que o pior que já aconteceu foi quando ele deixou uma colagem de penas de pássaros no para-brisa do carro dela...

– Mas ela não tem medo dele?

– A srta. Gina? – Eu ri. – Não. Ela tem um montão de armas. Inventei essa última parte só para divertir Jazza. Eu não acho que a srta. Gina tenha armas. Quer dizer, pode ser que tenha. Muita gente na nossa cidade tem. Mas é difícil explicar a alguém que não conhece o tio Nick que na verdade ele é inofensivo. Basta vê-lo com um papagaio em miniatura para saber que aquele homem não poderia fazer mal a nada nem ninguém. Além disso, mamãe o mandaria para a cadeia num piscar de olhos se ele realmente tentasse algo.

A Sombra da EstrelaOnde histórias criam vida. Descubra agora