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No dia seguinte, choveu.

Meu dia começou com duas aulas seguidas de francês, uma das matérias em que eu me saía melhor em minha cidade natal. A Louisiana tem raízes francesas. Um monte de coisas em Nova Orleans tem nome francês. Eu achava que me sairia muito bem na matéria, mas a ilusão foi rapidamente estilhaçada quando nossa professora, Madame Loos, entrou na sala tagarelando em francês como uma parisiense irritada. Depois fui direto para mais duas aulas seguidas, dessa vez de literatura inglesa, em que fomos avisados de que estudaríamos o período entre 1711 a 1847. O que me deixou inquieta foi a especificidade disso. Nem achei que a matéria seria necessariamente mais difícil da que eu estudava na outra escola – era mais o fato de eles se comportarem de forma tão adulta a esse respeito. Os professores falavam com uma segurança tranquila, como se todos fôssemos acadêmicos perfeitamente qualificados, e os alunos agiam de acordo.

Leríamos Pope, Swift, Johnson, Pepys, Fielding, Coleridge, Wordsworth, Richardson, as irmãs Brontë, Dickens… A lista era interminável. Então fui almoçar. A chuva continuava. Depois do almoço eu tive um tempo livre, que gastei tendo um ataque de pânico no meu quarto.

Com certeza cancelariam o hóquei, pensei. Na verdade, perguntei a uma aluna o que a gente deve fazer quando o tempo de esporte é cancelado por causa do clima, e ela apenas riu. Então lá fui eu para o campo com meu shortinho e meu casaco, e o protetor bucal, é claro. Na noite anterior eu o deixei de molho numa xícara de água quente para fazê-lo amolecer e se ajustar aos meus dentes. Foi uma sensação agradável. No campo, fui recebida com o equipamento de goleiro. Não sei bem quem elaborou o equipamento para quem fica no gol, mas eu diria que essa pessoa queria unir o amor pela segurança com um senso de humor realmente macabro. Na parte de baixo eu vestira duas caneleiras gordas que davam, fácil, duas vezes o tamanho da minha perna. Havia outro par para a parte superior da coxa. Os protetores de braço pareciam boias que alguém tinha inflado demais. Havia também protetores para o peito com uma camiseta de tamanho gigantesco para colocar por cima, e, como sapatos, enormes objetos que pareciam ter saído de um desenho animado. E tinha também o capacete com a proteção para o rosto. O efeito geral era o daquelas fantasias acolchoadas que fazem você parecer um lutador de sumô – só que bem menos elegante e humano. Levei quinze minutos para colocar tudo, e depois tive que descobrir como andar com aquilo. A outra goleira, uma garota chamada Selena, colocou as dela na metade do tempo e já estava correndo pelo campo com as pernas abertas enquanto eu ainda tentava calçar os sapatos.

Depois que consegui fazer isso, minha função foi ficar parada no gol enquanto as pessoas lançavam bolas de hóquei em cima de mim. Claudia ficava gritando para eu evitar o massacre usando os pés, mas às vezes dizia para usar os braços. O tempo todo, a chuva batia no capacete e escorria pelo meu rosto. Eu não conseguia me mexer, então as bolas simplesmente me acertavam. Quando tudo acabou, Spencer foi até mim; eu estava tentando tirar as proteções.

– Se quiser uma ajuda – disse ela –, faz tempo que eu jogo. Seria um prazer ajudar você com as técnicas.

Foi especialmente doloroso perceber que ela estava sendo sincera.

Na minha cidade, eu tinha a terceira média mais alta da turma, e literatura era o meu forte. Eu pretendia começar os deveres de casa pela leitura para a aula de Literatura Inglesa. O texto que eu precisava ler era o “Ensaio sobre a crítica”, de Alexander Pope. O primeiro desafio era que o ensaio na verdade se tratava de um poema muito longo em “dísticos heroicos”. Se um texto se chama ensaio, deveria ser um ensaio. Li duas vezes. Alguns trechos me chamaram a atenção, como “Atreve-se o Tolo onde até anjos receiam pisar”. Agora eu sabia de onde vinha essa frase. Mas eu ainda não entendia muito bem o que queria dizer.

Primeiro pesquisei na internet, mas logo percebi que precisaria fazer um esforço extra ali em Wexford. Aquela instituição era adepta do aprendizado com livros. Então fui à biblioteca.

A biblioteca da minha outra escola era um negócio que parecia um bunker de alumínio anexado ao prédio. Não tinha janelas, e o ar - condicionado chiava. Já a de Wexford era uma biblioteca de verdade. O chão era todo em pedra preta e branca. Havia dois níveis de estantes – todas grandes, de madeira. E havia também uma área de estudos gigantesca, cheia de compridas mesas de madeira com divisórias, de forma que cada aluno tinha um espaço reservado, dispondo de uma prateleira, uma luminária e tomadas para o laptop. Inclusive, a divisória era, na frente, coberta de cortiça e com alfinetes, para pendurar anotações de estudo. Essa parte era muito moderna e com materiais lustrosos; ao sentar ali, me senti uma pessoa de verdade, como se eu realmente fosse um daqueles intelectuais de Wexford.

Eu podia pelo menos fingir, e, se fingisse por tempo suficiente, talvez eu transformasse aquilo em realidade. Escolhi um lugar em uma das baias vazias e passei vários minutos ajeitando o espaço. Liguei meu laptop na tomada. Todo mundo ali na biblioteca parecia estar estudando tranquilamente. Ninguém tinha, até onde eu sabia, lido o plano de estudos de alguma matéria e tentado fugir pela chaminé. Eu havia sido aceita em Wexford, e teria que presumir que eles não estavam só tentando ser engraçadinhos.

A Sombra da EstrelaOnde histórias criam vida. Descubra agora