- Então - cantarolou Spencer, enquanto eu tropeçava e escorregava pelos paralelepípedos – De onde você veio?
Sei que não se deve julgar as pessoas pela primeira impressão... mas às vezes elas lhe dão muitos motivos. Por exemplo, Spencer toda hora espiava meu uniforme. Teria sido muito fácil dizer “tire um minuto para se trocar”, mas não. Acho que eu poderia ter pedido, mas fiquei intimidada pelo status de monitora-chefe. Além disso, no meio da escada ela comentou que ia tentar ir estudar em Cambridge.
Qualquer um que comunique seus planos extravagantes de faculdade antes de seu sobrenome... é alguém com quem se deve tomar cuidado. Uma vez eu estava na fila do Walmart quando uma menina com quem eu estava conversando disse que ia participar do America’s Next Top Model. Depois, vi a garota no estacionamento batendo o carrinho de compras contra o carro de uma velhinha. Sinais. Você tem que saber detectar.
Fiquei apavorada por alguns minutos com a ideia de que todas as garotas seriam assim, mas me acalmei pensando que provavelmente era preciso ser de um jeito específico para virar monitora. Decidi me esquivar da atitude superior dela com uma longa resposta sulista. De onde eu venho, o pessoal sabe como arrastar uma conversa. Irrite um sulista, e ele vai consumir momentos da sua vida com respostas lentas e detalhadas, até que você não seja mais nada além de uma farpa do que era antes e esteja bem mais perto da morte.
– Nova Orleans – respondi. – Quer dizer, não exatamente Nova Orleans, mas logo ali em volta. Quer dizer, mais ou menos a uma hora de Nova Orleans. Minha cidade é bem pequena. É um pântano, na verdade. Eles drenaram um pântano para construir nosso condomínio. Quer dizer, tentar drenar um pântano é um bocado inútil. Pântanos não são drenados. Você pode tacar a quantidade de terra que quiser, e eles continuam sendo pântanos. A única coisa pior que construir um condomínio em um pântano é construir um condomínio em cima de um antigo cemitério indígena... e, se tivesse algum antigo cemitério indígena por lá, aqueles imbecis gananciosos que construíram nossas McMansões teriam começado as obras num piscar de olhos.
– Ah. Entendi.
Mas minha resposta aparentemente só fez aumentar a intensidade das ondas de cansaço dela. Meus chinelos faziam estranhos ruídos de sucção contra os paralelepípedos.
– Você deve estar com os pés gelados nesses chinelos – comentou Spencer.
– Estou mesmo.
E foi o fim da nossa conversa. O refeitório ficava em uma antiga igreja. Minha cidade tem três igrejas; todas construções pré-fabricadas, todas preenchidas por fileiras de cadeiras de plástico. Aquela era uma Igreja: não grande, mas de verdade, construída em pedra, com contrafortes e uma pequena torre de sino e janelas estreitas com vitrais. Seu interior estava muito bem-iluminado por vários candelabros de metal negros e circulares. Havia três longas fileiras de mesas de madeira com bancos, e uma plataforma com uma mesa onde antes ficava o antigo altar. Tinha também um desses púlpitos de parede suspensos, com escadas em espiral.
Um pequeno grupo de alunos estava sentado mais adiante. Ninguém de
uniforme, claro. O som dos meus chinelos ecoou pelas paredes, chamando a atenção.– Pessoal – disse Spencer, me guiando até o grupo –, esta é Michelle. Dos EUA.
– Lauren – corrigi depressa. – Todo mundo me chama de Lauren. E eu adoro uniformes. Vou usar o meu o tempo todo.
– Certo – disse Spencer, antes que eu conseguisse transmitir a ironia do
meu comentário. – E estes são Ally, Normani, Andrew, Cole e Paul. Andrew é monitor-chefe.Todos os monitores estavam com roupas casuais, mas de um jeito elegante. Assim como Spencer, as outras meninas usavam saias informais. Os meninos estavam de polo ou camisetas com logos que não reconheci, e pareciam anúncios de lojas de roupas. De todos, Cole era o mais rock ‘n roll, com uma cabeleira ligeiramente selvagem de fios castanhos. Ele era bem parecido com o cara de quem eu gostava quando estava no quarto ano, Doug Davenport. O mesmo cabelo castanho, mesmos nariz e boca largos. Havia algo de descontraído em sua expressão. Ele parecia do tipo que sorri bastante.
– Vamos, Lauren! – cantarolou Spencer. – Por aqui.
A essa altura, tudo que saía da boca de Spencer me indignava. Eu definitivamente não gostava de ser chamada como um cachorro. Mas não consegui ver outra maneira disponível, então a seguir.
Para chegar à comida, tivemos que contornar uma mesinha suspensa até uma porta lateral. Entramos pelo que provavelmente tinham sido os antigos gabinetes dos padres ou a sacristia. Tudo estava arrancado, de forma que desse lugar a uma cozinha industrial e ao usual balcão com cubas de self-service.
O jantar daquele dia consistia em ensopado de frango, escondidinho de carne, batatas assadas, vagens e alguns pãezinhos. Havia uma fina camada de gordura dourada por cima de tudo, exceto dos rolinhos, o que não era problema para mim. Tendo passado o dia inteiro sem comer, meu estômago era capaz de aguentar qualquer quantidade de gordura que eu conseguisse engolir.
Peguei um pouco de cada coisa enquanto Spencer vigiava meu prato.
Ergui o olhar para ela e sorri.
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A Sombra da Estrela
Mystery / ThrillerNo mesmo dia em que o primeiro de uma série de assassinatos brutais acontece em Londres, a norte-americana Lauren Jauregui chega à cidade para começar uma nova vida em um colégio interno. Os crimes ocorridos parecem imitar as barbaridades de Jack, o...