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Quando voltamos, a conversa já tinha prosseguido. Todo mundo falava sobre as férias de verão; alguém ia visitar o Quênia, alguém ia velejar. Ninguém que eu conhecia passava o verão no Quênia. Eu até conhecia gente que tinha barco, mas ninguém que fosse velejar. Aquelas pessoas não pareciam ricas – pelo menos não do tipo de ricos com que eu estava familiarizada. Ricos significavam carros estúpidos e uma casa ridícula e festas gigantescas no seu aniversário de dezesseis anos, com limusines para levar você a Nova Orleans e tomar drinks não alcoólicos, que você trocava por drinks de verdade no banheiro, e aí roubava um pato e vomitava no chafariz.

Tudo bem, eu estava pensando em uma pessoa bem específica nesse caso, mas essa era a ideia geral que eu tinha de um rico. Todo mundo naquela mesa tinha um nível de maturidade ao qual eu não estava acostumada – gravitas (termo em latim), para usar um termo mais chique.

– Você é de Nova Orleans? – perguntou Cole, me arrancando dos meus pensamentos.

– É – falei, terminando de mastigar às pressas. – Bem pertinho.

Ele parecia prestes a me fazer mais alguma pergunta, mas Spencer o
interrompeu:

– Temos uma reunião de monitores agora. – Era uma informação dirigida
a mim. – Aqui.

Eu ainda não tinha propriamente terminado de comer a sobremesa, mas não quis parecer chateada com isso.

– Vejo vocês mais tarde – falei, repousando a colher.

De volta ao quarto, tentei escolher uma cama. Eu definitivamente não queria a do meio. Precisava de uma área com parede. A única pergunta era: eu pegava logo a que ficava em frente à lareira maneiríssima (e portanto reivindicaria a excelência do criado mudo para armazenar minhas coisas) ou mostrava minha alma evoluída e escolhia o outro lado do quarto?

Passei cinco minutos ali de pé, racionalizando a escolha de pegar a da lareira. Decidi que tudo bem fazer isso, desde que eu não ocupasse a lareira de imediato. Eu só pegaria a cama, e não tocaria no criado mudo por um tempo. Gradualmente, ela seria minha.

Com essa importante questão solucionada, coloquei meus fones de ouvido e concentrei a atenção em desfazer as caixas. Uma continha os lençóis, travesseiros, cobertores e toalhas que eu mandei de casa. Era estranho essas coisas domésticas triviais aparecerem ali, naquele prédio no meio de Londres.

Depois de fazer a cama, ataquei as malas, enchendo o guarda-roupas e as gavetas. Coloquei a colagem de fotos dos meus amigos em cima da escrivaninha, além das fotos dos meus pais, do tio Nick e da prima Diane. E também o cinzeiro em forma de lábios contraídos que eu roubara de nossa churrascaria local, o Poço da carne do Big Jim. Peguei minha coleção de miçangas e medalhões do Mardi Gras e os pendurei no pé da minha cama. Finalmente, coloquei meu computador em um bom lugar e posicionei meus preciosos potes de molho de queijo Cheez Whiz em segurança na prateleira. Eram sete e meia. Ajoelhei-me na cama e olhei pela janela. O céu ainda estava claro e azul. Vagueei pelo prédio vazio por um tempo e acabei indo parar no salão comunitário. Aquela provavelmente era a única vez em que eu teria o salão só para mim, então me joguei no sofá bem na frente da televisão e a liguei. Estava na BBC One, e o jornal tinha acabado de começar. A primeira coisa em que reparei foram os enormes dizeres na parte de baixo da tela, informando: "ASSASSINATO NO EAST END". Vi, com os olhos entreabertos, imagens da rua onde o corpo fora encontrado, e que tinha sido bloqueada. Vi policiais de coletes florescentes tentando conter equipes de filmagem. Então o telejornal voltou ao estúdio, onde o apresentador continuou:

“Apesar de haver uma câmera do circuito de monitoramento apontada quase diretamente para a posição do assassino, nenhuma imagem do crime foi capturada. As autoridades alegam que foi um problema no funcionamento da câmera. Têm sido levantadas perguntas a respeito da manutenção do circuito de monitoramento...”

Pombos faziam barulhos lá fora junto à janela. O prédio rangeu e se aquietou. Estiquei a mão e passei pelo tecido azul pesado e levemente áspero do sofá. Olhei para cima, para as estantes de livros embutidas nas paredes, que se estendiam até o teto alto. Eu tinha conseguido. Estava mesmo em Londres, naquele prédio frio e vazio. Aqueles pombos eram pombos ingleses. Eu imaginei isso por tanto tempo que não sabia ao certo como processar a realidade.

As palavras "UM NOVO ESTRIPADOR?" apareceram na tela por cima de uma tomada panorâmica do Big Ben e do Parlamento. Era como se até a TV quisesse me dar certeza. O próprio Jack, o Estripador, reapareceu para fazer parte do comitê de recepção.

A Sombra da EstrelaOnde histórias criam vida. Descubra agora