Wexford tinha uma vasta seleção de livros sobre Alexander Pope, então fui para a seção de Literatura Ol-Pr, que ficava no fim do nível superior. Quando cheguei ao corredor certo, encontrei um cara sentado ali no chão, lendo. Ele estava de uniforme, mas usava um sobretudo grande demais por cima. Tinha um cabelo muito elaborado, pintado de loiro, com pontas penteadas para cima. E estava cantando uma música.
"Panic on the streets of London,
Panic on the streets of Birmingham…"("Pânico nas ruas de Londres,
Pânico nas ruas de Birmingham... ")Claro, era muito romântico se recostar na seção de literatura com um cabelo estiloso, mas ele estava fazendo isso no escuro. Toda a iluminação dos corredores era temporizada. Quando você entrava, ia acender a luz. Ela apagava sozinha depois de uns dez minutos. Ele não se dera ao trabalho de acendê-la e estava lendo com a escassa luz que entrava pela janela bem no fim do corredor. Ele não se moveu nem olhou para cima, mesmo quando precisei ficar bem ao seu lado e esticar o braço por cima dele para pegar os exemplares. Havia cerca de dez livros com as obras completas de Alexander Pope; eu não precisava deles. Eu tinha o poema – precisava de algo que me dissesse o que diabos o poema significava. Perto desses havia vários livros sobre Alexander Pope, mas eu não fazia ideia de qual queria. Sem contar que eram muito grandes. Enquanto isso, o cara continuava cantando:
"I wonder to myself,
Could life ever be sane again?"("Eu me pergunto,
Poderia a vida ser sempre sã de novo?")– Com licença, se importa de chegar um pouco para lá? – falei.
Ele olhou lentamente para cima e piscou.
– Está falando comigo?
Havia uma leve confusão nos olhos do garoto. Ele dobrou os joelhos e girou sentado para olhar para mim. Agora eu entendia o que as pessoas queriam dizer com sangue azul: ele era a pessoa mais pálida que eu já tinha visto, de um genuíno tom azul-acinzentado à luz do corredor.
– Que música é essa que você está cantando? – perguntei, na esperança de que ele interpretasse isso como um ‘por favor, pare de cantar’.
– Se chama ‘Panic’ – respondeu ele. – É do The Smiths. As ruas estão em pânico agora, não é? O Estripador e tudo o mais. Morrissey é um profeta.
– Ah.
– O que você está procurando?
– Um livro sobre Alexander Pope, e eu...
– Para quê?
– Eu precisava ler ‘Ensaio sobre a crítica’. E li. Eu só não... eu preciso de um livro sobre esse poema. Um livro de crítica.
– Então você não quer estes – disse ele, se levantando. – É tudo bobagem. Vai aproveitar muito mais algo que contextualize o trabalho do Pope. Sabe, Pope estava falando sobre a importância da boa crítica. Todos estes livros são só biografias para encher linguiça. Você está procurando a seção de crítica geral, que é para lá.
Tive a impressão de que o garoto fez um esforço extraordinário para se levantar. Ele apertou bem o casaco em volta do corpo e se afastou um pouco de mim. Então fez um movimento brusco com a cabeça coberta de cabelo arrepiado para indicar que eu deveria segui-lo. Foi o que fiz. Ele se desviou das pilhas sombrias de livros, virando-se abruptamente alguns corredores à frente. Não acendeu as luzes ao entrar – eu é que tive que fazer isso. Ele também não precisou procurar pela seção ou livro que queria. Foi direto até o exemplar e apontou para a lombada vermelha.
– Este aqui. De Carter. Fala sobre o papel de Pope na formação da crítica moderna. E este aqui – disse ele, indicando um livro verde duas prateleiras abaixo –, de Dillard. Meio básico, mas se o assunto é novidade para você, vale uma lida.
Decidi não ficar ressentida com o fato de ele presumir que o assunto era “novidade” para mim.
– Você é americana – disse ele, recostando-se na prateleira às suas costas.
– Não recebemos muitos americanos aqui.
– Bom, vocês me receberam.
Eu não sabia o que fazer em seguida. Ele não dizia nada, só me encarava enquanto eu segurava o livro. Então o abri e dei uma olhada no sumário. Havia um capítulo inteiro a respeito de “Ensaio sobre a crítica”. Tinha vinte páginas. Eu podia dar conta de vinte páginas se aquilo fosse me ajudar a parecer menos perdida.
– Meu nome é Lauren – falei.
– Justin.
– Obrigada – falei, erguendo o livro. Ele não respondeu. Apenas se sentou no chão e cruzou os braços cobertos pelo sobretudo, me encarando. A luz do corredor se apagou quando saí, mas ele nem se mexeu. Ainda ia levar um tempo até eu conseguir entender como eram as coisas ali em Wexford.
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A Sombra da Estrela
Mystery / ThrillerNo mesmo dia em que o primeiro de uma série de assassinatos brutais acontece em Londres, a norte-americana Lauren Jauregui chega à cidade para começar uma nova vida em um colégio interno. Os crimes ocorridos parecem imitar as barbaridades de Jack, o...