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Quando aparecemos no salão com nossas bandejas, Spencer se levantou parcialmente e acenou para nós. Ela e Camila trocaram beijos no ar, o que me deixou meio enojada. Spencer estava a uma mesa com o mesmo grupo de monitores. Cole se afastou alguns centímetros para eu poder sentar. Mal havíamos encostado a bunda nos bancos quando Spencer começou com as perguntas:

– Como está sua agenda este ano, Camila?

– Boa, obrigada.

– Peguei quatro aulas de nível avançado, e o curso que vou tentar em Cambridge exige um diploma especial; além disso, tenho que entrar nas aulas preparatórias para Oxbridge para estar pronta para a entrevista. Então vou ficar bem ocupada. Você também vai pegar a preparatória para Oxbridge?

– Não – respondeu Camila.

– Entendi. Bem, não é tão necessária. Qual universidade você vai tentar?

Os olhos da Camila se estreitaram um pouco, e ela deu uma garfada violenta no bolo de cenoura.

– Ainda estou me decidindo – respondeu ela.

– Você não fala muito, não é? – perguntou-me Cole.

Em minha vida inteira, ninguém jamais tinha dito isso sobre mim.

– Você ainda não me conhece – falei.

– Lauren estava me contando que morava em um pântano – disse Spencer.

– É isso aí – falei, acentuando um pouco meu sotaque. – Estes são os
primeiros sapatos que já tive na vida. Eles realmente apertam meu pé.

Cole soltou um riso zombeteiro. Spencer deu um sorriso azedo e voltou a conversar sobre Cambridge, um assunto no qual ela tinha uma fixação. As pessoas voltaram a comparar suas ideias sobre as matérias avançadas, e continuei a comer e observar.

O diretor, dr. Everest (imediatamente ficou claro para mim que ele era conhecido por todos como Monte Everest, o que fazia sentido, já que ele devia ter uns dois metros de altura), se levantou e fez um discursinho motivacional para os alunos. Em resumo, falou que era outono, todos estavam de volta e, apesar de isso ser ótimo, era melhor as pessoas não ficarem convencidas nem se comportarem mal, senão ele mataria a todos nós com as próprias mãos. Ele não disse exatamente essas palavras, mas essa era a mensagem implícita.

– Ele está ameaçando a gente? – sussurrei para o Cole.

Ele não virou a cabeça, mas seus olhos foram na minha direção. Então ele puxou uma caneta do bolso e escreveu nas costas da mão, sem nem mesmo olhar para baixo: Divórcio recente. E odeia adolescentes.

Assenti, mostrando que compreendia.

– Como vocês devem estar cientes – Everest ainda tagarelava –, houve um assassinato na área, a que algumas pessoas resolveram se referir como um novo Estripador. É claro que não há motivo para temores, mas a polícia nos pediu para lembrar a todos os alunos que redobrem o cuidado ao deixarem a área da escola. Acabo de lembrá-los e creio que não será preciso voltar ao assunto.

– Que reconfortante – sussurrei. – Ele é tipo o Papai Noel.

Everest se virou mais ou menos em nossa direção por um momento, e nós dois congelamos, o olhar fixo à frente. Ele nos torturou mais um pouco, dando alguns avisos sobre não ficar acordados depois da hora, não fumar de uniforme ou dentro dos prédios e não beber demais. Beber um pouco parecia que já era esperado. As regras eram diferentes ali. Com dezoito anos você já podia beber, mas sempre havia alguma regra alternativa que permitia que você pedisse vinho ou uma cerveja junto com a refeição, com um adulto, ou aos dezesseis. Eu ainda estava refletindo sobre isso quando reparei que o discurso acabou e as pessoas estavam se levantando e depositando as bandejas no balcão.

Passei a noite assistindo, e de vez em quando ajudando, Camila a iniciar o processo de decorar sua metade do quarto. Havia cortinas a serem penduradas e pôsteres e fotografias a serem coladas com Post-it. Ela tinha um pôster de uma banda da qual eu nunca tinha ouvido falar e um quadro de cortiça gigantesco. As fotos da família e dos cachorros estavam todas em molduras enfeitadas. Fiz uma nota mental de arrumar mais trecos de paredes para o meu lado não ficar tão vazio.

O que ela não colocou em exibição, como reparei, foi uma caixa cheia de medalhas de natação.

– Minha nossa! – exclamei quando ela as colocou na mesa. – Você é praticamente um peixe.

– Ah. Uhm. É, sabe, eu nado. Dava para ver.

– Ganhei essas no ano passado. Eu não ia trazê-las, mas... eu trouxe.

Ela guardou as medalhas dentro da gaveta da escrivaninha.

– Você pratica algum esporte? – perguntou ela.

– Não muito – falei.

O que na verdade era só meu jeito de dizer “óbvio que não”. Os Deveaux preferiam derrotar as pessoas com palavras em vez de se envolver em embates físicos.

Ela continuou a desfazer as malas, e eu a encará-la, então me ocorreu que a Camila e eu faríamos aquilo – aquela coisa de ficar ali no mesmo quarto – todas as noites. Por mais ou menos oito meses. Eu sabia que meus dias de privacidade total estavam no passado, mas ainda não tinha compreendido exatamente o que isso significava. Todos os meus hábitos ficariam expostos. E a Camila parecia tão natural e bem-adaptada... E se eu fosse uma esquisitona e nunca tivesse percebido? E se eu fizesse coisas estranhas enquanto dormia? Afastei depressa esses pensamentos da cabeça.

A Sombra da EstrelaOnde histórias criam vida. Descubra agora