Capítulo 24

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Dominic On

   Por um momento eu esqueci quem eu era. Eu me esquivei de todos os problemas que haviam contornado o meu dia.

   Por um momento eu achei que poderia continuar de pé sem que minhas pernas faltassem.

   Por um momento eu achei que não fosse capaz de derramar tantas lágrimas em um só instante.

   E por toda a minha vida, eu achei que nunca fosse sentir um aperto tão grande em meu peito. Uma dor sufocante. Um sentimento deplorável que se alastrou pelo meu corpo.
   Eu fugi. Fugi de todas as vezes em que pude ter o coração partido. Eu me envolvi de menos para ser menos decepcionado. E cá estou, longe de ter um coração despedaçado por decepção, perto de sentir cada fagulha do meu corpo se dispersar pelo cosmo.

 




Só uma coisa me vinha a cabeça: Por quê? Por que ele?

 



Peguei minhas chaves e me preparei para sair de casa.

   - Dominic, você não vai nem almoçar? Toda vez é isso agora? Você não vai sair dessa casa. Está definitivamente de castigo. - ela estava furiosa - Não me obedece mais. Nessa casa existem regras!

    Eu soltei a maçaneta para olhar em direção à minha mãe.

   Eu corri até ela e a abracei. Ela ainda permanecia assustada pela minha reação mas acariciava meus cabelos enquanto eu sentia mais lágrimas descendo pelo meu rosto. Só que, dessa vez, elas desciam com muito mais intensidade.

    Segundos depois me afastei e a encarei.
    - Mãe, a senhora sabe que eu a amo. Eu não estou passando por um momento muito bom na minha vida. Na verdade, me sinto como se estivesse despencando de um precipício. E eu realmente preciso sair por essa porta agora. Tem alguém lá fora que precisa de mim. Por favor, não me faça perguntas e não me questione. Eu juro lhe explicar tudo quando voltar. Preciso da sua confiança no momento. A senhora pode fazer isso?

   Ela tinha os olhos arregalados. Antes da mesma falar qualquer coisa ou pestanejar sobre o meu comportamento, eu dei-lhe um beijo casto na bochecha e sai desesperado pela porta.

(...)

   Quase bati o carro ao atravessar o sinal vermelho incontáveis vezes. Eu não ligava para multas ou se fosse descoberto por uma blitz por dirigir sem ter carteira. Minha mente só processava uma única pessoa.

  
    Quase derrubei um poste numa fútil tentativa de estacionar o carro.

    Entrei no hospital feito um furacão e tive que repetir minhas palavras incontáveis vezes para a recepcionista me entender. Eu definitivamente não me reconhecia.

   Depois de pegar meu cartão de visitante e entrar na ala indicada, avistei minha amiga sentada em uma das cadeiras da sala de espera.
 
   - Nic...
   Nos envolvemos em um forte abraço e ela chorou em meu ombro. Eu já não aguentava mais fazer isso.

   - Eu deveria ter percebido algo de estranho quando você faltou hoje na escola. Mas onde ele tá? Cadê ele? O que aconteceu? - Eu perguntava sem pausas.

   Ela saiu do meu abraço e se sentou em sua cadeira novamente me puxando para sentar no assento ao lado.

   - Eu fui na mesma festa que ele ontem. Eu estava com tanto ódio da ruiva sem coração que não prestei muita atenção quando ele saiu pela porta. Me desculpa Dominic. Se eu tivesse chegado lá um pouco mais cedo talvez isso não teria acontecido.

   - Não é culpa sua Tina. Não é.

   Ela fungou antes de prosseguir.
   - E aí, eu finalmente resolvi ir atrás dele. E quando o encontrei, ah Dominic, eu resolvi que preferia estar morta. Ele estava acabado. Todo machucado. No chão.

   Eu imaginei a cena que ela descreveu e agradeci mentalmente por estar sentado, ao contrário minhas pernas teriam faltado fazendo, no mínimo, eu despencar pelo chão.

   - Ele estava todo sujo e aos farrapos. Ele disse que não era pra chamar ajuda. Ele não queria ter que ir no hospital e disse que não era pra você ficar sabendo.

   - Por quê ele disse isso? - Eu pensei em voz alta. Por quê diabos eu não poderia saber? Ele estava com medo? Vergonha?

   - Eu não sei. Mas eu respeitei o seu pedido. Só que enquanto eu limpava seus machucados ele acabou desmaiando no meu sofá. No começo eu pensei que estava apenas dormindo mas ele não acordava de jeito nenhum. Então, percebi que era a hora de chamar uma ambulância.

   - Você fez o certo Tina - Eu ainda não conseguia entender o motivo de ter sido excluído por meu namorado.

   - Eu imagino que sim. Logo que ele entrou na ambulância foi direto para o soro. Os paramédicos já me adiantaram que talvez ele tivesse quebrado o nariz.

   - Chegando aqui. Ele foi para alguns exames e descobriram fraturas. No nariz, costelas, na perna.

   - Meu Deus! - Eu levei as mãos à boca para esconder meu espanto.

   - Eu sei. Eu sei. - Ela lamentou -Ainda de manhã ele fez a do nariz e a da costela fraturada. Disseram que ele vai ter que passar mais um dia aqui. Mas eu ainda não entrei para vê-lo. Não me deixaram.

   Eu ainda estava em choque.

   - Eu já não aguentava mais ficar aqui. Meus pais me ligavam de dez em dez minutos para tentar descobrir meu paradeiro. Na vigésima vez eu atendi e falei que havia dormido em sua casa. Foi aí que percebi que era a hora de te avisar. Espero que o Nathan não fique bravo por isso.

   - Ele vai ter que entender - minhas mãos massageavam as têmporas. Era muita informação para a minha mente. E a ficha ainda não havia caído.

   Depois de 2 horas em silêncio naquela sala, uma enfermeira apareceu.

   - Vocês que acompanham Nathan Thiago O'Brien?

   Thiago?

   - Sim! - Valentina se levantou e eu o fiz também.

   - Já podemos vê-lo? - eu perguntei.

   - Ele acabou de acordar. Eu vou liberar a entrada de vocês já que o paciente afirmou que não possui familiares - Ela franziu a testa ao olhar sua prancheta.

   - Que bom. - Valentina sentiu uma pontada de alívio.

   - Ele já esta nos apartamentos. Ala 8 apartamento 13. Por aquele corredor.

   Eu segui a Tina pelo corredor e nos deparamos com a porta de número treze.

   Eu lembrei do dia em que iria entrar em seu apartamento pela primeira vez. 702. Eu encarei a porta por tanto tempo com medo das minhas ações e das suas consequências.

   Só que, dessa vez, meu corpo e minha mente ansiavam por entrar logo pela porta de número 13.


      O encontrei na maca com os olhos cerrados.
  
  O aperto que eu sentia se intensificou. Eu esqueci como se respirava.

   Ele abriu finalmente seus olhos e me lançou um sorriso torto.
   - Dom...

   Como ele ainda conseguia sorrir nos piores momentos?

   - Ah, Nathan... - eu corri em sua direção e o abracei com cuidado - Que medo eu senti de te perder.

   Ele gemeu de dor e eu senti uma pontada em meu coração.

   Eu sai do abraço para olhar mais profundamente em seus olhos.

   Não via mais o brilho de sempre. Nem em seus olhos, nem em seus cachos. Ele trajava as roupas brancas e sem graça do hospital. Havia um curativo relativamente grande em seu nariz. Uma das pernas estava engessada.

   Ele continha marcas roxas pelos seus braços e maçãs da face.
   Cortes estavam espalhados por toda parte. Em baixo dos olhos, na testa, bochechas.

   - Quem teve a covardia de cometer essa violência? QUEM? - Eu pensava alto enquanto o observava. - Me diga Nathan, eu vou acabar com esse ser. Eu vou fazer ele se arrepender de ter cometido algo dessa forma. Isso não pode ficar desse jeito! Merece um preço, ele merece pagar!

   - Dominic, não pense assim. Você, logo você, contra qualquer tipo de manifestação de violência! - Valentina disse de imediato - Quem fez isso vai pagar sim! Mas vai ser com a justiça!

   - Tina, olha para ele! Me diz se isso tem cabimento! Me diga se eu terei de ficar aqui, de braços cruzados, esperando a tal justiça acontecer. Isso não existe Valentina. Olha só para ele! Olhe!

   - Dom, não... - Nathan não terminou a frase porque teve que parar para tossir - Não fale isso. Não.

   Ele estava de fato acabado e eu poderia ter impedido tudo! Eu poderia ter aceitado o seu convite. Era o que eu devia ter feito. Ele precisava de mim e eu não estava ali para ele.
 
   - Eu estava esperando ele acordar para fazer um boletim de ocorrência. O hospital tem um sistema especial para esse tipo de caso. Agressão - Tina falou numa forma de... aliviar a minha raiva?

   Me sentei na poltrona ao lado, coloquei minhas mãos sobre os olhos apoiando os cotovelos no joelho.       



    - Então você me trouxe ao hospital e chamou o Dominic.

   - Me desculpe Nathan - Tina pronunciou - Eu tive que te trazer aqui. Você desmaiou e eu não sabia o que fazer! Eu chamei o Dominic porque ele se preocupa contigo. E eu sei que ele iria ajudar
   
    Ele pareceu se conformar e me olhou profundamente. Era incrível como o Nathan conseguia olhar bem dentro nos nossos olhos. As vezes eu sentia que ele podia enxergar a minha alma. E percebi que não conseguia mais ver a minha vida sem ele.

(...)


   A noite se aproximou e eu tive que voltar para casa pra trocar de roupa. Eu iria passar a noite com Nathan, ao seu lado.


   Entrei na minha casa que se encontrava silenciosa.

   Melhor assim.

   Fui ao meu quarto e ao abrir a porta levei um enorme susto ao encontrar minha mãe sentada na minha cama.

   - Achei que não voltaria mais para casa.

   - Mãe...
   Eu fechei a porta atrás de mim.

   - Dominic, eu sempre fui sua amiga. Nós sempre nos apoiamos. Quando o seu pai morreu estávamos aqui um para o outro. Quando você caiu pela primeira vez fui eu quem te ajudou, eu te orientei nos seus primeiros passos, eu ouvi você pronunciar suas primeiras palavras. Eu tive que aguentar você chorar em todas as vezes que brigava com a Valentina. Eu cedi minha cama para você dormir quando sentia medo. Eu sou sua mãe e ninguém pode mudar isso. Mas, não sei se ainda sou a sua amiga.

   Eu fechei meus olhos para impedir a vontade de chorar. Me sentei ao seu lado e peguei sua mão que estava sobre seu colo.

   - Me perdoe mamãe. Eu sei que eu mudei. Eu estou diferente. Eu não paro mais em casa. Não saí mais com a senhora nos finais de semana. Quase não almoço mais aqui. Eu sei de tudo isso e eu acho que chegou a hora de te contar tudo.

   Eu agradeço aos céus todos os dias por ter uma mãe como a minha. E nesse momento eu senti que tinha minha confiança toda voltada para ela. Era minha mãe. Como a mesma disse, sempre estávamos aqui um para o outro. Não vai ser agora que ela vai me deixar. Ela não vai.

   Inspirei e expirei profundamente e me virei de frente para ela.

    - A senhora sabe que eu tinha um lance com a Valentina. Mas de uns tempos para cá eu me sentia estranho. Na verdade, por toda a minha vida eu me senti estranho. Eu só não entendia o porquê. E no sábado, em uma sessão com o Dr. James ele me fez enxergar que eu não descobriria meu problema se não tentasse descobrir. Aí eu percebi que precisava tentar coisas novas. E no domingo, na festa da Lucy, eu beijei um garoto. - Eu vi que seus olhos se arregalaram com a confissão mas ela me deixou continuar - E por um momento eu achei que tivesse sido por impulso. Mas no decorrer daquele beijo eu pude perceber que havia algo a mais. Eu senti. Eu pude sentir o que eu nunca havia sentido com a Valentina ou nenhuma outra garota que eu já havia beijado. E foi aí que minha mente começou a clarear.

   Eu apertei sua mão e comecei a acariciá-la com a outra.

   - Nathan, o nome dele. Ele é o motivo de eu estar diferente nos últimos dias. Somos namorados agora. E mãe, eu nunca me senti tão feliz em toda a minha vida. Basta eu olhar para ele para o meu humor mudar. Ele também é o motivo de colorir os meus dias, de ter algo bom para pensar antes de dormir. Até que o dia de hoje chegou e com ele uma ligação que me desestruturou. Ele apanhou na rua. De um bando de garotos homofóbicos. Tudo isso por ele não poder amar como ele quiser.

   Minha mãe levou as mãos à boca quando eu contei sobre a agressão.

   - A Tina encontrou ele na rua. Todo machucado. E levou ele para o hospital. Ele está todo quebrado e foi lá, com ele que eu passei minha tarde.

   Minha mãe me abraçou forte e eu chorei, mais uma vez, em seus braços.

   - Meu filho. Como você pôde pensar que eu não te aceitaria? Você ainda é o meu filho, já falei que não há como mudar isso. Eu prometo que eu vou te respeitar. Eu confio em você acima de tudo. Eu nunca te impediria de amar Dominic.
   Ela me aninhou em seu colo e eu me senti uma criança novamente. Eu tinha cinco ou seis anos quando meu pai se foi e nos encontrávamos na mesma posição naquela noite. Foi o pior dia da minha vida

   E depois de um longo tempo em seus braços eu lembrei que tinha um certo paciente com quem eu precisava passar a noite.

   - Mãe, falando nisso. Eu preciso que você vá comigo no hospital para autorizar que eu passe a noite lá com ele. Eu ainda não cheguei aos meus 18.


(...)

   Uma semana havia se passado

   Era um sábado quando o jantar chegou. Minha mãe exigiu que eu chamasse meu novo namorado para um jantar lá em casa. Ela ansiava por conhecê-lo.

   Eu coloquei minha melhor calça, azul marinho desbotada. Uma blusa social goiaba com as mangas dobradas no cotovelo. Passei o meu perfume e penteei os cabelos, alinhados. Acho que eu ficava melhor dessa forma.


   Eu ouvi a campainha e fui atender à porta.

   Encontrei Nathan e Valentina.
   Eles haviam ficado bem mais próximos depois do ocorrido.

   Eu abracei a Tina que trazia uma travessa do brownie que só ela sabia fazer maravilhosamente bem. E fui de encontro ao meu namorado. Que estava lindo, com sua bermuda caqui e uma camisão jeans com as mangas dobradas. O beijei rapidamente e ajudei ele a subir o batente da porta. Ele ainda tinha a perna engessada e usava muletas pela dificuldade em se locomover.

   Minha mãe exalava felicidade.

   - Então você é o famoso Nathan - ela o cumprimentou ao perceber sua entrada.

   - Eu mesmo sra. Foster - Nathan esboçou o sorriso pelo qual me apaixonei.

   - Me chame apenas de Olga - Ela o olhou de cima a baixo - Posso perceber porque meu filho se apaixonou por você. Olha só que pitel!

  - Mãe!- A repreendi quando Nathan ganhou uma cor rosada nas bochechas e todos sorriam.

   - O quê? Só falo verdades.

  Pietra veio quase correndo ao nosso encontro.
   - Caralho. Você é bem mais gato pessoalmente - Ela diz e em seguida o abraça.

   - Obrigado. Você também é linda. Pietra o seu nome, não é? - ela confirmou - O Dominic fala muito de você.

   - Pff. Fala sério - ela revirou os olhos - o Dominic só fala de você.

   Eu olhei para Valentina que colocava a travessa sobre a mesa e sorria para a minha expressão de "onde eu posso enfiar a minha cara?".

  

   - Cadê o Ben? - Valentina perguntou se aproximando.

   - Eu nunca sei onde aquela peste pode estar - Minha mãe falou enquanto chamava todos para sentarem à mesa.

   - Ele disse que tinha que passar em um lugar antes de vir aqui - Pietra deu de ombros enquanto se servia.

   Eu ajudei Nathan a sentar ao meu lado esquerdo e Valentina sentou ao lado dele já  que minha mãe se acomodava na cadeira à minha direita.


   O jantar corria bem até que Ben entrou pela porta.
   - Boa noite família. - ele sorriu para todos e parou seu olhar em Nathan - Seja muito bem vindo. Nathan.

   Todos mantinham sua atenção nele enquanto ele se acomodava do outro lado da minha mãe.

   Ele avisou hoje mais cedo que estava ansioso para o jantar e me lembrei das palavras da Pietra afirmando que ele era uma pessoa sentimental. Talvez ele realmente seja.

   - Eu tive que passar na casa de um amigo meu. Agora que a universidade voltou a funcionar estamos cheios de seminários e trabalhos em grupo - ele falava enquanto colocava seu prato - mas que bom que eu consegui chegar a tempo.

   Ele olhou para trás de mim e franziu as suas sobrancelhas ao continuar:
   - O que houve com o seu amiguinho?

   Amiguinho? Ele estava se referindo ao Nathan?

   Olhei para o meu lado e a cadeira estava vazia. A da Valentina também estava.

   Quando diabos ele saiu daqui? E como eu não percebi isso?

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⏰ Última atualização: Jan 19, 2019 ⏰

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