"A única punição permitida é o chicote, aplicado a qualquer parte do corpo, dependendo da falta, sem exceção sequer das partes mais delicadas e menos adequadas para esta ignomínia. É muito fácil um episódio dos prazeres desses perversos transformar-se na sua punição favorita." ¹
Félix ergueu os olhos das páginas quando um ruído interrompeu a leitura. Era uma noite de temperatura agradável na Cidade das Luzes, o suficiente para que tenha preferido ler na varanda do apartamento. Aquela, no entanto, havia se mostrado a pior escolha possível. Agachado sobre o guarda-corpo de mármore estava um jovem loiro de roupas escuras, cujo sorriso alargou-se ao enfim atrair a atenção para si mesmo.
― Por que você vem aqui toda noite? ― resmungou, ainda que a voz se mantivesse inflexível.
Com uma risadinha zombeteira, Chat Noir saltou em direção ao pavimento de ladrilhos esmaecidos, cujo tom ajustava-se ao revestimento rústico de tijolos do edifício. Ainda que aquilo fosse basicamente invasão de domicílio, andou com uma calma quase ofensiva até onde ele estava confortavelmente sentado. Ou não tão confortável, já que um gato preto irritante estava ali.
― Você não gosta de gatos? ― perguntou, bem humorado, enquanto recostava-se sobre a mesinha sobre a qual Félix mantinha uma luminária portátil. Oh, pobrezinho, não era capaz de enxergar no escuro como ele mesmo.
― Prefiro os que não falam.
Como de costume, a resposta foi ríspida. Afinal, aquele rapaz de madeixas claras cuidadosamente alinhadas para trás era a pessoa mais ríspida que conhecia. Não fazia muito sentido procurá-lo, muito menos depois de mais uma noite em que o pai o decepcionou. Mas não havia mais ninguém, e ele não queria continuar sozinho.
― Hoje... ― Chat deu um breve suspiro antes de continuar, e as orelhas de felino murcharam. ― Não foi um dia muito bom.
― Por que acha que estou interessado em ouvir seus problemas? ― refutou, enquanto tentava voltar a ler, sem sucesso.
O sorriso voltou aos lábios do gato preto. Ainda que o cinismo fosse um aspecto habitual no comportamento de Félix, era mascarado na maior parte do tempo pela apatia. No entanto, mesmo que fosse alguém de poucas palavras, quando era contrariado ou aborrecido seu lado mais rude e desagradável insurgia. E Chat Noir adorava testar os limites da paciência do leitor voraz.
― Sei que no fundo gosta de mim, Félix.
― Baseado no quê? ― Apesar de controlado, o timbre deixava transparecer um mínimo incômodo. ― No desprezo ou na indiferença?
Bingo. Aproveitou a proximidade para inclinar-se contra a poltrona onde ele estava sentado, apoiando os braços nas laterais do assento. Ao ter a certeza de que o havia cercado, moveu o rosto até que estivesse a centímetros do dele, ultrapassando o livro que os separava. Com um sorriso provocativo, sussurrou numa brincadeira:
― No seu amor reprimido.
Silêncio. Estavam tão próximos que era possível que Adrien distinguisse o tom estranho das íris do rapaz, num misto de azul com cinzento. Eram olhos bonitos, até. Carrancudos e gélidos, mas bonitos. Já para Félix, a curta distância que os separava era inconveniente. Deixou o próprio desagrado explícito na maneira com que o fitava, numa tentativa de convencê-lo a se afastar. Mas o que estava fazendo? Brincando de encarar com um moleque que mais parecia um stripper?
― Não tem nada melhor para fazer do que se declarar para mim, Chat Noir? ― Desistiu, levantando-se da poltrona com um suspiro. ― Paris ainda é uma cidade muito violenta.
― Mas comigo por aqui ela é bem menos violenta ― gabou-se, esticando os braços para frente e estalando os dedos. ― E não tem nenhum akuma na cidade esta noite.
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Sadique | Chat Noir | Yaoi
FanfictionChat Noir encontrou alguém para compensar a solidão e o tédio de suas noites. Um rapaz, assim como ele. Difícil de lidar, divertido de provocar e delicioso de provar. "― Sei que no fundo gosta de mim. ― Baseado no quê? No desprezo ou na indiferença...