Adrien era capaz de absorver cada detalhe da situação, embora não conseguisse esboçar uma única reação a cada um deles. Sentia Plagg escondido sob a roupa ― na verdade, quase conseguia ouvi-lo dizer que já previa que aquilo iria acontecer. Reconhecia a pressa e a confusão nos olhos do colega que o chamara, porque estava óbvio que ele não queria permanecer na biblioteca sem o restante dos amigos.
E, se não estivesse tão perplexo, poderia apreciar o choque no rosto de Félix. Como se ele estivesse recordando-se de todas as vezes em que se cruzaram sem que o reconhecesse. Ou talvez não se lembrasse de nenhum desses momentos, e a mente estivesse elaborando situações hipotéticas em que se encontraram e não o reconhecera.
Se não estivesse tão perplexo, poderia comemorar o fato de que ele reagira de imediato à simples menção de seu nome. Porque apenas ao ouvi-lo o rapaz abandonou a concentração férrea no fichamento dos diversos títulos. Como se somente essa palavra atraísse a sua atenção em meio a tantas pessoas que só lhe despertavam um distanciamento cortês e indiferente.
No entanto, não poderia permanecer quieto e estático ― a situação já era excêntrica o suficiente sem sua intervenção. Tentou contorná-la da maneira mais rápida:
― E-Encontrei um conhecido ― explicou-se, de mal jeito. Pigarreou e prosseguiu, um tanto mais calmo: ― Vejo vocês amanhã!
― Certo... ― O colega não parecia convencido, mas não estava interessado o suficiente para pressioná-lo por mais informações. Despediu-se rapidamente: ― Até amanhã, Adrien!
Não soube bem o que fazer em seguida, e volta-se lentamente na direção de Félix, a tempo de vê-lo levantar-se da mesa e andar até alcançá-lo. Aparentemente seu nome dito mais uma vez o despertara do transe ― e logo ele estava tão próximo que era possível sussurrar "oi" e ainda assim seria ouvido.
Porém, mais que a audição, o rapaz está concentrado na visão: os olhos azuis o observavam com mais atenção que uma situação cotidiana exigiria. Absorvendo cada detalhe. Confirmando muitas hipóteses. E, como na primeira noite em que se beijaram, ele tomou uma iniciativa. O que, como Adrien já bem sabia, era uma atitude surpreendente da parte dele.
Sem trocar uma palavra, Félix segurara sua mão para guiá-lo ― não fazia ideia de para onde. Ele não o puxara pelo pulso, de maneira grosseira; o contato a envolvê-lo na verdade era suave. Era a primeira vez que andavam de mãos dadas, percebeu, ainda que seus dedos não estivessem entrelaçados. E não conseguia vislumbrar seu rosto, já que ele seguia na frente. Talvez fosse proposital, e compreendia perfeitamente.
Porque não tinha ideia do que dizer quando enfim se encarassem de novo.
Enfim chegaram ao local ao qual ele aparentemente queria levá-lo. Era um ambiente à meia luz, e Adrien distinguira algumas das características que faziam da sala um tanto estranha: o teto era alto, fazendo da percepção do espaço mais estreita do que era de fato; e os objetos entulhavam-se ao redor dos dois, numa bagunça que contrastava com a organização do restante da biblioteca. Um depósito.
Um lugar para ficarem sozinhos. E, mesmo no momento em que dispunham de maior privacidade, ainda passaram alguns segundos num silêncio acanhado a olharem um para o outro de maneira furtiva. Foi Félix que se explicou o primeiro, julgando-se responsável já que os levara até ali:
― Eu... ― Fez uma pausa antes de reformular o que queria dizer: ― Sinto muito por agir de forma precipitada. ― Afinal, não havia tantas garantias de que não arrastara um completo estranho para lá. ― Mas quando te ouvi eu tive certeza. Conheço bem a sua voz.
A última sentença foi dita em tom mais baixo, e Adrien enrubesceu ao cogitar por que seu timbre era tão facilmente reconhecível para ele. Além disso, não desmenti-lo confirmava a própria identidade; já era tarde demais para voltar atrás e estava dividido entre o alívio por livrar-se do peso daquele segredo e a tensão que antecedia sua própria constatação.
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Sadique | Chat Noir | Yaoi
FanfictionChat Noir encontrou alguém para compensar a solidão e o tédio de suas noites. Um rapaz, assim como ele. Difícil de lidar, divertido de provocar e delicioso de provar. "― Sei que no fundo gosta de mim. ― Baseado no quê? No desprezo ou na indiferença...