O primeiro aspecto que percebera ao pousar suavemente sobre a varanda e adentrar no apartamento foram as pontas rebeldes das madeixas dele enlaçadas num elástico. E este era consequência da segunda circunstância: Félix estava de costas, concentrado na louça que ocupava a pia.
Chat Noir deixou escapar um sorriso travesso ao aproximar-se, sorrateiro. Eram as raras as vezes em que conseguia pegá-lo desprevenido, e se havia algo que aquele gato adorava brincar era de apanhar suas presas com surpresa.
Envolveu-o por trás, aproveitando-se dos braços erguidos na lavagem dos pratos para abraçar o torso esguio. Após um segundo de aturdimento, o rapaz reconheceu as garras a contornar sua cintura, e relaxou da postura inicialmente tensa. Adrien ergueu-se então na ponta dos pés, para depositar um beijo sobre o encontro entre o pescoço e as costas dele. Porém, as intenções originais se converteram num farejar quase espontâneo. Não demorou para que Félix evidenciasse a própria incredulidade:
― Você está mesmo me cheirando?
― Não consigo resistir ao aroma dos seus sabonetes ― justificou-se, friccionando-se à pele levemente úmida.
― Não sabia que 'banhos' estavam entre seus fetiches. ― Adrien gargalhou contra as costas dele ao ouvir a tão familiar ironia em seu tom, causando uma comichão agradável no mais velho. ― Muito menos 'bibliotecários de cabelos presos'.
Oh, ele usara as palavras exatas que o herói escrevera. Divertiu-se consigo mesmo ao imaginá-lo a reler a pergunta diversas vezes; a folha já amarrotada após ser esticada e dobrada repetidamente. No entanto, era óbvio que ele nunca iria admiti-lo em voz alta, assim como de modo deliberado ignorava as mãos de Chat a dedilhar sua barriga sobre a blusa. Sim, estava atrapalhando-o de propósito; sim, Félix disfarçaria que aquilo o distraía até o fim dos tempos; e sim, ambos se divertiam com aqueles pequenos jogos.
― Pelo visto você encontrou o bilhete ― ronronou o jovem, como se já não soubesse.
― E pelo visto um gato não resiste à curiosidade.
― São meus instintos ― defendeu-se, e como um felino passou a arranhá-lo por cima do tecido, ainda abraçado ao homem que tentava limpar a própria cozinha.
― Instintos de invadir a privacidade alheia? ― Apesar da sentença, seu timbre não transparecera dureza. Mais se assemelhava a uma provocação para rebater as benditas mãos a apalpá-lo.
A resposta não foi mais que um sussurro:
― Eu não precisaria invadir sua privacidade se me contasse mais sobre você mesmo.
― Não é como se eu soubesse tudo a seu respeito também.
Durante o diálogo, as frustrações físicas e emocionais manifestaram-se de forma simultânea, como se fossem equivalentes. Aparentemente o contato nunca era suficiente ― desejavam sempre mais, e quanto mais tinham um do outro, mais a avidez crescia, demandando doses maiores. Não bastava saber onde ele trabalhava ― Adrien queria entender seus motivos, seu passado, suas ambições. Para Félix, a satisfação estava além de um nome. Do que ele mais gostava? Por que sua identidade era confidencial? O que o deixava tão chateado em certas noites? Apesar disso, como era simples resumir seus desejos em uma única frase.
Quero conhecer ele melhor.
E, antes que pudesse reagir, ele girara o corpo em sua direção, apoiado à bancada a brilhar de tão limpa. Droga, desta vez não vencera a concentração férrea que ele mantinha durante as atividades domésticas. Contudo, suas distrações não foram ineficazes: pela maneira com que ele lhe encarava, conseguira suscitar no rapaz a vontade de beijá-lo de imediato, sem fazer com que tivesse de ansiar até o último segundo.
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Sadique | Chat Noir | Yaoi
FanfictionChat Noir encontrou alguém para compensar a solidão e o tédio de suas noites. Um rapaz, assim como ele. Difícil de lidar, divertido de provocar e delicioso de provar. "― Sei que no fundo gosta de mim. ― Baseado no quê? No desprezo ou na indiferença...