Realmente eram muitas as vantagens ao transformar-se em Chat Noir. Além da visão e reflexos aprimorados, podia contar também com a certeza de que estaria completamente seco, mesmo após um banho. No entanto, ao sair do banheiro do apartamento, perguntou a si mesmo se as marcas que cobriam sua garganta, ombros e pernas também sumiriam como a umidade do corpo.
― Você me deixou com chupões ― denunciou ao encontrar Félix na sala. ― De novo.
Teria que se livrar deles antes da próxima sessão de fotos. Mas não poderia culpá-lo: ele não fazia a mínima ideia de que embaixo da máscara havia um modelo. E a resposta foi simples e sem pudor algum, como de costume:
― Da próxima vez não me deixe excitado. E não é como se eu estivesse em melhor estado.
Puxou a blusa social para cima, apenas para ilustrar o que dissera: naquele pedaço de pele nas costas pôde enxergar alguns arranhões nas mais diversas direções, longos e curtos, embora todos superficiais. Estava sinceramente espantado. Afinal, ele havia feito aquilo? Suas unhas nem eram compridas! Defendeu-se:
― Mas você estava gostando.
― Você também.
Ambos se calaram, tanto porque perceberam que permanecer retrucando era inútil, quanto porque a pequena discussão alimentara a tensão entre os dois. Eram diferentes demais para que tudo fosse sempre pacífico. Todavia, mesmo quando as réplicas um contra o outro se tornavam acaloradas, nunca chegaram a ser agressivas ou insuportáveis. Era algo divertido, porque não existia monotonia quando estavam juntos.
Mas, no momento, o que mais sentia não era tédio ou exasperação, e sim fome. Com toda a certeza, daria tudo para provar de novo a comida dele. Para alguém que morava sozinho e aprendera por conta própria, Félix era um ótimo cozinheiro. Porém rejeitava qualquer elogio, ao dizer que aquilo era obrigação de qualquer um com responsabilidade sobre si mesmo. Surpreendentemente humilde para alguém capaz de ser tão arrogante.
Não demorou a despertar dos devaneios, e ao encarar o rapaz novamente, ele estava amarrando um avental cujo tom branco contrastava com as vestes escuras. As pontas rebeldes (e ainda úmidas) do cabelo já estavam contidas num pequeno e improvisado rabo de cavalo. Recordou-se da primeira vez em que o vira vestido daquela maneira, quando gracejara ao dizer que ele parecia um marido dedicado e atencioso. Félix definitivamente não era alguém que se impacientava por pequenas coisas, mas na ocasião esteve prestes a atirar uma espátula contra o gato preto.
― O que quer comer?
― Hã? ― Murmurou, desconfiado: ― Você consegue ler mentes por acaso?
― Quando você não está com fome? ― Arqueou as sobrancelhas diante da obviedade do raciocínio.
Não desperdiçou a oportunidade ao entrarem juntos na cozinha: pediu a ele todos os tipos disponíveis de croissants, bolos e tortas elaboradas, deliberadamente abusando de sua já mínima indulgência. E, como da última vez, dentre tantas alternativas escolheu ele mesmo uma refeição simples e rápida, de maneira aleatória. Ou não tão aleatória assim, porque Adrien elogiara aquele prato da última vez que o fizera.
― Parece que nenhum segredo resiste a você ― especulou, sentando-se no parapeito da janela enquanto assistia o outro durante o preparo.
― Como não? Eu nem sei seu nome.
― Chat Noir, o maior gato de Paris. ― Improvisou uma reverência e piscou para o cozinheiro: ― Em todos os sentidos.
― Seus trocadilhos pioram a cada dia ― comentou, sem desviar o olhar dos ingredientes.
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Sadique | Chat Noir | Yaoi
FanfictionChat Noir encontrou alguém para compensar a solidão e o tédio de suas noites. Um rapaz, assim como ele. Difícil de lidar, divertido de provocar e delicioso de provar. "― Sei que no fundo gosta de mim. ― Baseado no quê? No desprezo ou na indiferença...