Nome

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Deveria saber que aquilo era um sonho. Afinal, nada do que acontecera era minimamente coerente. No entanto, até que despertasse, deixou-se levar pelos delírios da inconsciência.

Pelo que se lembrava, de início estava inquieto ― terrivelmente inquieto. Parecia preocupado com alguma coisa, ou alguém, e à preocupação mesclava-se uma espécie de culpa. No entanto, por mais que Adrien pensasse, não encontrava o motivo pelo qual se sentia tão aflito. As pessoas ao redor a ignorá-lo completamente, todos dentre amigos, colegas e conhecidos, apenas reforçavam sua confusão e nervosismo.

Até que, de lugar algum que pudesse imaginar (talvez do céu?), ele surgiu. Numa primeira impressão, acreditou estar vendo a si mesmo como Chat Noir. Afinal, lá estava o spandex escuro, a cauda longa, as orelhas de felino. No entanto, haviam poucas, embora significativas, mudanças entre aquele e o seu uniforme. E mais importante, quem o vestia era ninguém menos que Félix.

Mas mais estranho do que encontrá-lo a vestir algo "preto e apertado", mais ainda do que os fios loiros (que nunca percebera tão longos) desalinhados com liberdade, era sua feição de inegável satisfação. Diversão até, poderia dizer. Aquele sorriso ― um sorriso largo, atrevido, com uma ligeira malícia ― era incomum demais para que não estancasse com o espanto. Tanto que não reagiu quando ele o apanhou entre os braços, aninhando-o como a uma criança.

― Estou pegando emprestado ― ouviu-o justificar-se aos restantes.

Contudo, ninguém pareceu notar que ele fora basicamente sequestrado. Ou que havia mais um Chat Noir em Paris. Quem percebeu algo foi o próprio Adrien, logo que se viu no colo do rapaz. As memórias, ou como aquela espécie de pensamentos se chamavam durante um sonho, vieram de uma vez.

Lembrou-se do vilão, The Alchemist, que enfrentara, cujo poder envolvia mesclar substâncias ou até mesmo pessoas para conceber súditos a partir destas quimeras. Por descuido seu, acabara deixando que o anel escapasse de seus dedos, e durante o breve intervalo entre perder e recuperar o acessório, o inimigo se aproveitara de seu momento de fraqueza e unira Plagg à Félix. Todavia, antes que pudesse assimilar o restante, a excêntrica versão de Chat Noir indagou, ao vislumbrar a névoa a encobrir seu rosto de arrependimento:

― Por que essa cara?

― Você está assim por minha culpa.

― É, talvez. ― E, de maneira ainda mais surpreendente, ele gargalhou. O som era caloroso, e jovial, ainda que deixasse transparecer certa irresponsabilidade. ― Quem diria que heróis cometem erros também.

― Você e Plagg... Foram atingidos. ― Enrubesceu um tanto antes de prosseguir, utilizando da expressão que ele mesmo dissera para que o deixasse cônscio da gravidade da situação: ― E está usando... uma fantasia de stripper. Por minha causa.

― Não é tão desconfortável quanto eu imaginava. ― Deu de ombros.

― E não está zangado comigo?

― Nem um pouco.

Era inacreditável. Nunca passou pela sua cabeça que ele poderia ser tão... permissivo. No geral o rapaz era tão rígido, tão centrado e ciente das regras ― embora não soubesse bem que regras seriam estas. Era aquilo o resultado da junção com Plagg, com seu jeito descontraído? E o principal foco de sua perplexidade: não compreendia como ele, sendo fruto do poder de The Alchemist, manifestava vontade própria. Como quando ele o soltou muito delicadamente sobre um dos gramados do Jardim de Luxemburgo¹, mesmo que não fizesse ideia de como haviam chegado lá.

― Então por que me trouxe para cá?

E o sorriso, ao qual ainda não se acostumara, converteu-se de zombeteiro a devasso. Um arrepio percorreu o seu corpo, e a origem não era nem de longe o suposto medo de encarar um adversário sem seus poderes de herói. Afinal, a última das intenções de Félix seria atacá-lo. Em seus olhos havia uma fome irrestrita, que o jovem conhecia, e uma ousadia petulante, que não lhe era familiar.

Sadique | Chat Noir | YaoiOnde histórias criam vida. Descubra agora