08 | Pecadores

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"Todos os garotos bons vão para o céu

Mas os garotos maus trazem o céu até você

É automático

É simplesmente o que eles fazem"

— Heaven, Julia Michael.

O uniforme da lanchonete era cafona demais até para mim. O vestido amarelo fazia conjunto com um avental branco enquanto os cabelos eram, obrigatoriamente, presos em um coque no topo da cabeça. O intuito, imagino eu, era recriar o uniforme das garçonetes dos anos cinquenta, já que era o tema de toda a lanchonete. Esse fora o único lugar que havia me dado reposta depois de eu ter entregue meu currículo, que continha, no total, zero de experiência. Sendo assim, eu não me daria ao luxo de recusar o emprego apenas porque as roupas não me agradavam. É claro que a ideia de sentir o cheiro da poeira dos livros de uma imensa biblioteca me parecia bem mais agradável do que o cheiro de óleo velho.

Batatas fritas me dão enjoo.

Suspirei fundo, alisando o avental enquanto esperava as fritas de alguém ficarem prontas para que eu as pudesse entregar ao dito cujo.

— Tá bem movimentado por aqui hoje —Hailey, outra garçonete, comentou.

Faziam alguns dias desde que eu havia conhecido ela, no meu primeiro dia de trabalho. Ela e a mãe vieram da Inglaterra para, de acordo com a menina, recomeçar.

— Nem me fale — percorri os olhos pela lanchonete quando a porta foi aberta, o tilintar do sino anunciando a chegada de alguém.

As orbes azuladas do moreno foram a primeira coisa que meus olhos captaram quando o grupo de amigos entrou no estabelecimento, rindo. Eu não havia mais o visto desde o diálogo nada convencional que tivemos no seu carro, enquanto voltávamos da festa; quando eu me vira livre do efeito do álcool, na manhã seguinte, o constrangimento me acertou em cheio, porém, eu não iria voltar atrás na decisão que eu tomara naquela noite. Hunter Evans imploraria por mim.

— Essa é sua — a menina parada ao meu lado apontou para a mesa em que eles se acomodavam.

Soltei um grunhido, respirei fundo e andei em direção a eles, retirando o bloco de papéis e a caneta de dentro do bolso do avental conforme me aproximava.

— Já sabem o que vão pedir? — Minha voz atraiu a atenção de todos, que logo tinham os olhos focaram em mim.

Não me surpreendi quando vi a mesma garota que acompanhava Hunter na noite da festa sentada ao seu lado hoje. Seus braços sempre em volta dele, numa tentativa de deixar claro para qualquer um que se interessasse no moreno que ele estava com ela. Entretanto, essa não fora a impressão que ele passou ao percorrer os olhos pelo meu corpo sem pudor algum, os lábios curvados em um sorriso discreto.

— Alyssa! — Zach exclamou assim que me reconheceu.

— Zach! — Imitei o tom de voz animado que o garoto havia usado ao pronunciar meu nome.

— Sóbria dessa vez? — Ele brincou.

Dei de ombros, batendo a ponta da caneta no bloco de notas repetidamente.

— Infelizmente...

A mão de Hunter alcançou a minha, impossibilitando o movimento da mesma e, dessa forma, cessando os batuques causados pelo encontro da caneta com o papel. Os olhos da garota sentada ao seu lado acompanharam seu movimento e vincos surgiram em sua testa quando ela franziu as sobrancelhas.

— Você é uma garçonete ou uma baterista? — A garota perguntou retoricamente quando seus olhos encontraram os meus, após ela puxar a mão de Hunter para longe da minha discretamente.

— Posso ser o que quiser, e você? — Forcei um sorriso. — Tem requisitos suficientes para ser alguma coisa?

Suas mãos fechadas em punhos repousaram sobre a mesa, os olhos apertados em uma linha fina e, quando eu esperava uma reação oposta àquela, ela sorriu. Suas mãos repousaram nos ombros de Hunter, o sorriso que perdurava seus lábios entrava em contradição com o brilho lascivo de furor em seus olhos.

— Sou boa no que faço, não é, Hunter? —Ele piscou para mim.

— Que bom. Prostituição já não é mais um tabu e rende uma boa grana, de qualquer maneira — dei de ombros, lhe devolvendo o sorriso falso.

Ela piscou, confusa.

— O quê...?

— Tudo bem, tudo bem! —Zach assobiou. — Já sei o que vou pedir.

[...]

A porta dos fundos bateu com força quando saí da lanchonete, depois de anotar os pedidos dos jovens amigáveis da minha universidade, para o meu intervalo. O ar limpo de qualquer odor gordurento que entrava pelas minhas narinas e enchia meus pulmões era aliviante.

Liguei o celular, percorrendo os olhos pelas mensagens que chegavam conforme o aparelho atualizava desde a última utilização. Cora havia mandado mais mensagens do que o necessário, porém, eu não a repreenderia por se preocupar comigo. Ela tinha medo. Medo de que eu recaísse e me fechasse completamente. Eu não a culpava, eu também tinha medo; eu estava apavorada, como se meu corpo produzisse adrenalina demasiadamente em situações desnecessárias fazendo a sensação de fuga se instalar por todo o meu corpo. Talvez eu estivesse mesmo fugindo, correndo até as pernas cansarem e, mesmo assim, não saindo do lugar.

Arregalei os olhos, me debatendo quando fui prensada na parede. O celular foi parar no chão com o susto e a mão que cobria minha boca abafou meu grito.

— Te assustei, Docinho?

— Deus... — murmurei quando ele destampou minha boca, mantendo seu corpo junto ao meu.

O ar quente que saiu de sua boca quando ele soltou uma risada frouxa bateu contra meu rosto, à centímetros de distância do seu. Ele estalou a língua, negando com a cabeça.

— Blasfemar te torna uma pecadora, Hawley.

— E não somos todos pecadores?

Ele arqueou os lábios em um sorriso de lado.

— Não deveríamos nos redimir de alguma forma, então? — Dei de ombros — Pedir perdão, implorar por clemência?

— Não há nada a se fazer quando já se está condenado, Evans.

Seu sobrenome saindo de meus lábios de forma sussurrada pareceu surtir efeito nele e foi minha vez de sorrir de lado por, mesmo que sem querer, ter tido resultados.

— Então não teria problema algum em adicionar mais alguns pecados na lista, não é? — Ele umedeceu os lábios, prendendo o pircieng labial entre os dentes. — Porque o que eu penso em fazer com você com certeza me condenaria.

Mordi o lábio inferior, passando a língua pelo mesmo lugar logo depois.

— Faça o que quiser comigo, Hunter — o incentivei. — Vamos queimar juntos.

Uma faísca animalesca surgiu em seus olhos e ele se aproximou, disposto a ir adiante.

— Bem vinda ao inferno, Alyssa.

NOTAS
Tenho uma dúvida.

Levando em consideração que ainda não existe nenhuma descrição física da Alyssa, como vocês imaginam ela?

Fiquei curiosa.

Crossroad (EM REVISÃO) Onde histórias criam vida. Descubra agora