1.0 - Into the fire

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“Enquanto você dorme numa serenidade terrestre
A carne de alguém está apodrecendo nesta noite
Como se fosse nada para você
O que você fez, você nunca pode desfazer.”
— Witch Image, Ghost

França, setembro de 1453.

— Olá, Clara.

A cozinheira parou de mexer o tempero que preparava na cumbuca, quando ouviu a voz da jovem garota. Clara dirigiu um sorriso para Susan, que estava com as costas apoiadas na madeira da mesa onde preparava-se o grande jantar para os lordes do castelo.

Por todos os lados, pessoas corriam pra lá e pra cá, enquanto o ambiente era preenchido com fumaça e o aroma dos ingredientes usados nos pratos.

— Olá, Susan — ela devolveu o cumprimento, passando as costas da mão sobre a testa para limpar um pouco do suor. Lá embaixo, sem praticamente ventilação alguma, a não ser as escadas em direção à saída, era realmente quente. — Alguma aventura no castelo hoje?

Havia um pouco mais de um mês que Susan e seu avô, lorde Doutor de Gallifrey, estavam hospedados sob o teto do rei Carlos VII, da França. Segundo anunciaram, lorde Doutor era um renomado cientista que viajava ao redor do mundo, junto da neta, em busca de curas para doenças que assolavam o continente. Compadecido com a causa, e convencido através da boa lábia do senhor do tempo, rei Carlos ofereceu-lhes abrigo. Contudo, alguns membros da corte começavam a cochichar que eles estavam excedendo o tempo de hospedagem.

O fato era que os membros estavam desgostosos com os pitacos que o Doutor oferecia ao rei, indo contrariamente aos seus interesses. E, principalmente, pelo fato deles serem ingleses — ou ao menos era o que acreditavam, graças ao sotaque que avô e neta possuíam —. Sequer tendo passado três meses após o final da Guerra dos Cem Anos*, achavam um absurdo que o rei deixasse que ingleses estivessem sob seu teto.

E Clara sabia de tudo, afinal, a cozinha era um dos melhores lugares para saber sobre as fofocas do castelo.

— Nada de muito interessante, na verdade — Susan confessou, brincando com uma batata que pegou de cima da mesa. — O vovô passou a maior parte do tempo ocupado em visita ao vilarejo com o duque Louis — a garota mudou o tom de voz ao referir-se ao nobre. Seria quase imperceptível para alguém em uma conversa qualquer, porém, Clara era observadora e, além disso, fizera amizade com a menina ao longo das semanas que passaram.

Tudo começou quando Susan, logo nos primeiros dias em que chegara a França, procurava por algo para comer no meio da noite, não conseguindo dormir quase no início da madrugada.

Clara, por ser uma das últimas a sair da cozinha naquela noite, ajudou a garota e deu-lhe o restante de um ensopado da ceia. Falante como era, Susan acabou conquistando a simpatia da ajudante da cozinha.

— Percebo que você parece não gostar de duque Louis — Clara comentou, voltando a preparar o tempero para a carne, prato principal do banquete.

Susan deu de ombros, com os olhos focados na batata que passava de uma mão para outra.

— Não sei… Tenho um pressentimento ruim sobre ele. Ele não é muito amigável.

Clara riu da jovem. Terminou o tempero e usou-o na carne de cordeiro, que logo iria de encontro às brasas.

— Tenho que concordar com você quanto a isso — a cozinheira riu com a sinceridade inocente da outra.

— O conhece? — A pergunta de Susan mal foi ouvida, com algumas pessoas gritando no ambiente, conforme o tempo para o preparo das comidas terminava.

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